Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

A envergadura do jornal

Leitores reclamam da disposição de textos nas páginas que dificulta leitura

Reprodução

Por mais que a circulação dos jornais impressos esteja em queda e não pare de crescer o acesso por meio digital, o prestígio e a identificação do leitor ainda estão vinculados ao papel. Faz apenas três meses que a Folha implantou sua última reforma gráfica. Assinantes há décadas (entre eles, eu), confessam ainda estar se adaptando às novas propostas.

Muitos leitores, é fato, já até esqueceram como era a cara do jornal antes do redesenho. Outros, no entanto, continuam a mandar mensagens, incomodados com variadas opções de diagramação das páginas que dificultam a leitura.

Em sua apresentação aos leitores, o jornal informava que reportagens, páginas e cadernos ganhavam nova lógica e ordenamento na versão impressa. "Texto, imagem e infografia passam a ser editados com o peso devido. Peso, aliás, que muitas vezes só o produto impresso —com seu ordenamento lógico, seu prazer tátil e sua comodidade— pode proporcionar." Em vídeo exaltava que o novo projeto tem maior flexibilidade e aproveita o que o jornal impresso tem de melhor, o grande formato.

Com frequência tem se recorrido a um tipo de disposição dos temas na página, aquele que em que foto e texto vazam de uma página para outra. Essa opção parte da premissa de que a leitura é feita com as duas páginas abertas, algo possível (mas não corriqueiro) no jornal impresso e raro na experiência com a edição digitalizada.

Uma leitora descreveu bem, em mensagem à ombudsman, o que parece estar na cabeça dos autores do atual projeto gráfico da Folha: "Há algumas semanas a Folha vem apresentando gráficos e fotos centralizados em folhas duplas. Para visualizá-los é necessário que se esteja com uma envergadura (desculpe o termo aeronáutico) de 65 cm. Ora... quem lê o jornal dessa forma? Apenas sobre uma mesa. O habitual é estar sentado(a) em uma poltrona, lendo o jornal dobrado em folha simples."

O leitor Eduardo Navarro reclamou de "vários artigos e reportagens sem finalização". Ele exemplificou com um texto publicado em 11 de julho. Este começava no final de uma reportagem principal editada na página A10 e continuava na página A11, sem que houvesse sinalização nesse sentido. Quem lia somente o trecho na primeira página achava que o texto estava incompleto.

Um terceiro queixoso fez leitura ainda mais preocupante. No sábado, 8 de julho, ao passar os olhos pela página A8, achou que um integrante da ONG Doutores da Alegria estava envolvido em irregularidades no setor de saúde do Rio. A imagem estava ao lado de texto cujo título dizia: "Ex-secretário de Saúde implica empresários" (em desvios). Só ao virar a página percebeu que a reportagem sobre a foto da página A8 estava na página A9, na qual se dizia que o líder do Doutores da Alegria tem planos eleitorais.

A editora de Imagem, Thea Severino, explica que o projeto gráfico se assemelha a uma caixa de ferramentas utilizada pela Redação diariamente. "Há bons e maus exemplos do uso dessas ferramentas. Assim como existem infográficos bons e ruins, colunas divertidas e outras sem assunto, fotos espetaculares e protocolares."

O objetivo final, conclui, é que o jornal seja sempre o mais informativo e didático possível, além de esteticamente bom.

Ao comentar a opção por diagramação em página dupla, diz: "Acreditamos que o formato contemple diferentes jeitos de ler a Folha. O leitor do jornal impresso abre a dupla e pode ver as duas páginas juntas, antes de dobrá-las no formato que for mais cômodo a ele".

Sobre a continuação dos textos em páginas seguintes, propõe o exercício de comparar a leitura de um jornal à de um livro. "As páginas não começam nem terminam em si mesmas (com exceção, é claro, das primeiras e últimas de cada publicação) e o leitor não fica perdido. É uma questão de costume. Quando há chance de confusão, como uma continuação em página alternada, o projeto prevê sinalização clara para isso (Continua na pág. XX)."

A comparação com a leitura de um livro parece-me descabida porque são experiências absolutamente diversas.

Usada cotidianamente na Folha, a forma de organização dos textos em páginas duplas dificulta a vida do leitor, desorganiza a leitura, permite impressões equivocadas, aparenta problemas de acabamento.

Não tenho dúvidas da vantagem de existir essa alternativa de edição. Ela possibilita a publicação de páginas de impacto e atraentes, mas tal uso deve ser feito com parcimônia e, principalmente, critério.

É sabido que há um movimento natural de leitura, que pode até ser alterado desde que seja sinalizado claramente qual o caminho a seguir. De preferência sem complicar. O parâmetro deve ser simplificar e facilitar a vida do leitor, prevendo dificuldades e necessidades. E não exigir dele que tenha a envergadura de um tamanduá para compreender as páginas.

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