Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa
Descrição de chapéu Eleições 2018

A medida de cada um

Avaliação objetiva de cobertura ofereceria parâmetros a editores e a leitor

No início pelo componente quase folclórico, depois pelas frases polêmicas e o apoio crescente de parcela da população e mais recentemente em razão do atentado que sofreu, o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, tem dominado o noticiário eleitoral.

Na última semana, a Folha publicou reportagem que informava que Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher de Bolsonaro, afirmou ao Itamaraty, em 2011, ter sido ameaçada de morte por ele e, por isso, deixara o Brasil. O relato consta de um telegrama reservado a que o jornal teve acesso. Ana Cristina negou o fato e atacou a Folha nas redes sociais.

Na quinta, a revista Veja obteve informações sobre o processo de separação do então casal e divulgou que a primeira ex-mulher acusara Bolsonaro de furto de cofre, ocultação de bens e relatou "comportamento explosivo" e "desmedida agressividade". A Folha resumiu o conteúdo dessa reportagem em sua edição de sexta.

Ilustração para a coluna ombudsman 30.set.2018
Ilustração para a coluna ombudsman 30.set.2018 - Folhapress

Recebi muitas mensagens de leitores criticando as publicações e questionando o equilíbrio e a imparcialidade da Folha em particular. 

Um leitor afirmou que "nesta eleição a Folha não está sendo apartidária coisa nenhuma: é escancaradamente contra Bolsonaro. E isto é opção pelo seu concorrente no segundo turno, seja qual for. Portanto, a Folha mente quando diz que não tem um lado”. 

Outras acusações de parcialidade miravam as páginas de opinião, nas quais leitores também viram desequilíbrio nas escolhas dos articulistas.

Discordo das críticas principais, mas avalio que o jornal precisa afinar melhor seus controles. A busca radical por equilíbrio deve estar nas pequenas e nas grandes decisões.

Dois exemplos da última sexta-feira ilustram essa questão: 1. Em alguns momentos a versão digital da Folha tinha como destaque quase em sua totalidade apenas notícias relacionadas a Bolsonaro e a maioria delas era negativa; 2. Já após essa avalanche de críticas, o jornal ignorou vídeo em que a primeira ex-mulher de Bolsonaro faz uma defesa do ex-marido.

É bom registrar que também recebi críticas de leitores que viram favorecimento à candidatura de Bolsonaro pelo fato de o jornal noticiar, "como se ele já estivesse eleito", planos de governo do candidato e de seu economista-símbolo.

Pesquisa Datafolha, entretanto, mostrou que 75% dos leitores da Folha avaliam que o jornal não está favorecendo nenhum candidato e 77% afirmam que nenhum deles está sendo prejudicado.

A imparcialidade da Folha na cobertura eleitoral foi um dos aspectos positivos mais citados espontaneamente: 28% identificaram essa característica. Em sentido contrário, 22% mencionaram a parcialidade como ponto negativo.

Na avaliação do secretário de Redação da Folha Vinicius Mota, "seja no noticiário, seja na publicação de artigos e entrevistas, o jornal se preocupa com o equilíbrio das menções que possam ter impacto crítico ou favorável aos candidatos nas eleições que estão sendo disputadas neste ano".

Ele afirma que, como as notícias e o resultado de apurações de repórteres às vezes se impõem pela importância, pode haver percepção de desequilíbrio se a análise ficar restrita a um curto período de tempo. 

Para chegar a uma avaliação do todo, informou, a Folha está contabilizando todas as suas publicações, incluindo as de artigos de opinião, desde o início das campanhas e publicará o balanço final tão logo o processo termine, como faz em todas as eleições.

Uma repassada nas edições impressas da Folha mais recentes, desde o início de setembro, mês em que Bolsonaro foi esfaqueado e Fernando Haddad (PT) oficializado candidato, é elucidativa.

Até o dia 29, 20 manchetes tratavam de assuntos relacionados mais diretamente à eleição. Sem considerar as que relatavam os números das pesquisas de intenção de voto (que foram 4), 7 envolviam Bolsonaro, 3 eram sobre PT, 1 sobre Alckmin e outra sobre apelo de FHC ao centro. Ciro Gomes (PDT), a terceira força eleitoral, teve pouco destaque na Folha.

A busca pela imparcialidade e pelo equilíbrio tem certo grau de subjetividade. É natural que o candidato líder receba mais atenção e tenha propostas mais esquadrinhadas. Sua liderança move o interesse por seus passos e projetos. 

É serviço do jornal expor aos leitores ideias e ações do passado dos candidatos. No entanto, ainda mais em eleição tão indefinida, é obrigação do jornal abrir suas páginas à discussão de alternativas.

Seria mais útil à Folha e aos leitores se fossem divulgadas periodicamente, ao longo do pleito, a quantificação e a avaliação qualitativa de textos noticiosos e opinativos. Seriam ferramentas técnicas e objetivas para os editores e balizadoras para o acompanhamento dos leitores. A divulgação após a eleição é menos valiosa. 

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