Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

As entrevistas estão chatas?

Forma de questionamento e escolha de temas merecem ser revistas

Carvall

Desde o início oficial da campanha eleitoral, foram raros os dias em que não havia algum candidato sendo sabatinado ou entrevistado por algum jornal, rádio, TV ou site. Só a Folha promoveu uma série de entrevistas, duas rodadas de sabatinas —uma na pré-campanha— e prepara um debate, junto com UOL e SBT.

Se é inegável que a superexposição dos candidatos faculta ao leitor um maior conhecimento de como cada um deles age e pensa, fica evidente que há certa repetição de abordagem e conteúdo, nas respostas e nas perguntas.

A novidade saudável da atual rotina de debates e sabatinas é, sem dúvida, a checagem quase imediata da veracidade e da precisão das afirmações dos candidatos. Mas isso não basta.

Alguns eleitores enviaram mensagens criticando a condução de entrevistas tanto de candidatos a presidente como a governador. Reclamaram de que, após muita falação, não conseguiram concluir o que candidato se propunha a fazer caso eleito. Um leitor foi direto ao ponto: "Essas sabatinas e entrevistas estão muito chatas. Todos parecem iguais. Candidatos e jornalistas".

O leitor reclamou de longos discursos de jornalistas em seus questionamentos. Enviou as regras da comissão de debate independente dos EUA, que organiza os encontros dos presidenciáveis norte-americanos. Elas sugerem que as perguntas tenham no máximo 20 segundos porque o eleitor está interessado na argumentação e propostas dos candidatos, não na dos jornalistas.

É um tema delicado. Se o entrevistador se propõe a falar mais do que o entrevistado, tende a dificultar o mais importante: a exposição de ideias da pessoa que almeja a Presidência da República.

A arte de questionar pressupõe perguntas diretas e didáticas, mas também obriga ao impedimento de devaneios e procrastinações por parte dos entrevistados. A calibragem de uma coisa e outra revela o talento, maior ou menor, de quem entrevista.

Em todos os encontros, discutiram-se menos propostas e projetos do que alianças eleitorais, o modo de fazer política e as acusações de corrupção. Quando havia mais de um candidato, supervalorizaram-se o bate-boca e as provocações que dominaram o ambiente.

A condução errática do debate eleitoral é, em grande medida, responsabilidade da imprensa. Existe ainda, é fato, a influência das regras obrigatoriamente acordadas com os candidatos. Mas o que me preocupa é o quanto os temas e as perguntas escolhidos pela imprensa estão em sintonia restrita com as preocupações e expectativas de sua excelência, o eleitor.

Pesquisa Datafolha mostra que, apesar de corrupção e saúde encabeçarem o ranking de problemas do país, na consulta sobre qual deve ser a prioridade do próximo presidente, a área da saúde se sobressai, apontada por 41%. Os setores vistos como prioritários em seguida são educação (20%), desemprego (8%), violência (7%), economia (5%) e, finalmente, corrupção (2%).

Pode parecer uma platitude dizer que saúde e educação são os temas de fato relevantes para os brasileiros. Se tomadas como expressões genéricas, concordo. Mas saúde e educação mexem diretamente com a vida das famílias e das pessoas, têm reflexos enormes na qualificação dos empregados e, por conseguinte, no desempenho da economia, têm impacto gigante nas políticas e nos gastos públicos.

Há uma enormidade de maneiras inteligentes, atraentes e necessárias de a imprensa tratar desses temas. Nem candidatos nem jornalistas parecem preocupados, interessados e preparados para discuti-los.

Jornais, revistas, rádios e TVs reportam à exaustão a dramática situação de saúde no dia a dia do noticiário fora do período eleitoral, mas, neste momento de debate de propostas, esquecem de encontrar formas de abordagem que obriguem os candidatos a se posicionar.

A Folha tem publicado uma série ("E agora, Brasil?") que se propõe a apresentar diagnósticos e discutir propostas que possam contribuir para o debate eleitoral, além do encaminhamento de políticas baseadas em evidências empíricas.

No final de agosto, o caderno especial focava a questão da Saúde e apontava dez gargalos do setor. A lista seria um ótimo ponto de partida para o jornal fazer um candidato a presidente abordar temas específicos de viva voz e sem limite de tempo.

Esse produto de excelência poderia ser melhor utilizado pelo jornal para qualificar o debate eleitoral.

O país vive a oitava eleição presidencial após a redemocratização. As novas formas de comunicação e tecnologias abrem inúmeras possibilidades, que estão sendo pouco aproveitadas. É passada a hora de a imprensa assumir papel mais ativo nas abordagens e questionamentos de conteúdo programático, com criatividade, relevância e amplitude.

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