Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

O que é ser de extrema direita

A diferença de tratamento a Bolsonaro na imprensa brasileira e na mundial

Ilustração mostra um fusca com a bandeira do Brasil no lugar da placa e detalhes em azul
Carvall/Folhapress

Há quem defenda que não faz mais sentido tentar dividir o mundo entre ideologias de direita e de esquerda. O que esses conceitos significam modernamente? É um tema politicamente complexo. O choque entre esquerda e direita, no entanto, é mundial. No Brasil, petismo e antipetismo formam o condimento local, que nem sempre pode ser resumido com exatidão como um confronto entre esquerda e direita.

Limitando a questão ao jornalismo, a Folha vem recebendo cobranças de parcela de eleitores que avalia que o jornal está evitando dar nomes aos bois ou, mais exatamente, qualificar o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, como de extrema direita.

No início de outubro, dois meses após a campanha estar oficialmente nas ruas, a Secretaria de Redação da Folha distribuiu comunicado interno em que afirma não haver, na atual disputa eleitoral brasileira, nenhuma candidatura que se enquadre na categoria de “extrema direita” ou “extrema esquerda”.

O texto lembra o verbete “Qualificação ideológica” do Manual da Redação, que reserva o uso desses termos para designar “facções que praticam ou pregam a violência como método político”. Orienta a Redação a tratar Jair Bolsonaro, do PSL, como candidato de direita. Assim como Guilherme Boulos, candidato derrotado do PSOL, deveria ser considerado de esquerda. 

Não demorou para que o comunicado chegasse a leitores, que escreveram para a ombudsman criticando a orientação editorial da Folha.

Os principais jornais do mundo, de inegável qualidade, usam variações do conceito de extrema direita (far right, ultraderecha, extrême droite) para definir a candidatura de Bolsonaro. São eles: The Economist, Financial Times, The Guardian, El País, The New York Times, The Washington Post, Le Monde, Clarín e La Nacion, entre outros.

É uma discussão que o jornal deve tratar de forma transparente em suas páginas. Para tal, algumas questões têm de ser respondidas. Quais são os elementos objetivos em Bolsonaro, no seu discurso e/ou na sua prática, que permitem classificá-lo ou não como extrema direita? Quais os efeitos jornalísticos de qualificá-lo dessa forma? Em que posição do espectro ideológico a Folha coloca cada candidato?

O editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, afirmou que a Folha não classifica nenhum líder atualmente no poder de extrema esquerda ou extrema direita. Usa a designação para alguns movimentos nos Estados Unidos e na Europa. O jornal usa esquerda radical ou ultranacionalistas/direita radical em casos como Marine Le Pen, na França, e Rodrigo Duterte, nas Filipinas.

“Quando é o caso, escrevemos que usam ou usaram parte do discurso da extrema direita. Nem mesmo o partido das Farc a Folha chama de extrema esquerda, mas de radical. Chamamos de extrema esquerda movimentos que depredam patrimônio e atacam policiais, como os black blocks”, disse Dávila. “O verbete da nova edição do Manual nasceu de um desejo do jornal de regular o que pareciam imprecisões na designação de candidatos na corrida presidencial francesa”, lembrou.

Autor clássico da ciência política, Norberto Bobbio (1909-2004) conceitua com clareza extremismo e moderação. Aponta que esses conceitos obedecem a um critério de contraposição no universo político diferente daquele da dicotomia esquerda/direita. Os conceitos de extremismo e moderação dizem respeito às estratégias empregadas para chegada aos fins desejados, enquanto que direita e esquerda dizem respeito à conotação dos programas que definem esses fins.

Para mim, a leitura do Manual não permite concluir que se reserve o uso dos termos “extrema direita” e “extrema esquerda” apenas para “facções que praticam ou pregam a violência como método político”. Entendo que há uma orientação para que “não se hesite” em utilizá-los nesses casos.

A candidatura do PSL representa corrente política militarista com demonstrações explícitas de defesa da violação dos direitos humanos, de questionamento dos direitos das minorias, que nega a ditadura militar e a ocorrência comprovada de torturas e que mantém reiterados flertes à quebra da normalidade democrática. 

Esses pontos factuais somados parecem mais do que suficientes para definir uma candidatura como sendo de extrema direita, aquela que opta por estratégia extrema, além do eixo construído no consenso democrático por direita e esquerda. 

Órgãos de imprensa do mundo todo —dos economicamente liberais de direita aos abertamente progressistas de esquerda— concordaram com essa apreciação. 

A meu ver, a Folha e os principais órgãos da imprensa brasileira se equivocam em não fazê-lo e não parecem preocupados com a dimensão histórica desse entendimento.

 

A ombudsman estará ausente na próxima semana.

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