Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Visto, (não) lido e encaminhado

Folha começou a desvendar estratégias eleitorais na internet só na reta final

Carvall/Folhapress

A mais curta, imprevisível e violenta campanha presidencial desde a redemocratização chega hoje ao seu dia decisivo e deixa muitas perguntas.

O balanço desta eleição talvez seja contrário aos mais nobres valores democráticos, mas, nesse ambiente ruinoso, o jornalismo de qualidade se revelou necessário e relevante.

Algumas previsões se confirmaram. A força da propaganda eleitoral pela televisão foi posta em xeque, assim como a importância de sabatinas e debates. O poder de influência das redes sociais e, especialmente, dos aplicativos de mensagens instantâneas se mostrou decisivo.

Uma enxurrada de notícias falsas se fez presente, mas o combate a elas se espraiou. Desde julho, o Facebook removeu ao menos 275 páginas e 172 perfis por inconformidade com as políticas de spam e de autenticidade. Após publicação de reportagem da Folha, o WhatsApp baniu centenas de milhares de contas, inclusive a de Flávio Bolsonaro, filho do candidato do PSL à Presidência.

Os esforços, no entanto, pareceram pequenos diante da avalanche diária de mensagens com fins políticos em circulação. Os jornais foram lentos na tentativa de desvendar as estratégias das campanhas e o uso dessas novas ferramentas.

O WhatsApp informa ter no Brasil 120 milhões de usuários. De acordo com o Datafolha, ele é a rede ou aplicativo social mais utilizado pelos eleitores: 65% dos ouvidos têm conta. Quase metade dos usuários relatou ter recebido mensagens negativas contra os candidatos a presidente. Esse mundo tornou ultrapassadas as ferramentas de campanha eleitoral até então predominantes. O alcance do WhatsApp se espraia, em ambiente muito complexo e de regulação quase impossível. A Justiça Eleitoral não estava preparada. A imprensa também não.

Coube à Folha a principal reportagem desse novo modo de fazer campanha. O jornal revelou que empresas estavam comprando pacotes de disparos de mensagens contra o PT no WhatsApp, ação vetada pela lei eleitoral. Trata-se de caixa dois para contornar a doação ilegal de empresas.

A reportagem de Patrícia Campos Mello, manchete do jornal em 18 de outubro, trouxe luz ao funcionamento de uma máquina que agia nas sombras, longe do espaço político tradicional. A partir de então, outras reportagens buscaram investigar as redes do WhatsApp, movidas por chips telefônicos do exterior e bancos de dados de usuários comprados ilegalmente.

A reportagem da Folha despertou reação imediata e violenta. Profissionais da empresa foram ameaçados e sofreram agressões verbais. A repórter teve o próprio telefone hackeado e o diretor do Datafolha recebeu ameaça em casa.

Uma onda de mensagens, muitas delas utilizando argumentos ou expressões idênticas, invadiu o correio eletrônico da ombudsman, revelando orquestração política. Pude, no entanto, detectar parcela significativa de leitores reais acusando a Folha de fazer campanha contra Bolsonaro.

Levantamento do próprio jornal, publicado na sexta, permite concluir que a Folha foi mais incisiva nas investigações em relação à candidatura Bolsonaro, apesar de o jornal não ter explicado ao leitor a metodologia que utilizou para classificar as notícias como neutras, positivas e negativas.

Reconhece ter publicado mais do que o dobro de informações relativas a Bolsonaro na comparação com Fernando Haddad, tendo sido a maior parte delas neutras. Na soma de textos noticiosos e opinativos, as menções consideradas negativas foram maiores para o pesselista do que para o petista.

Tais números podem ser justificados porque Bolsonaro foi o candidato líder em grande parte da corrida sucessória. É fato que os três principais furos da campanha tiveram como objeto o candidato do PSL: a revelação de que mantinha uma funcionária-fantasma no gabinete, os detalhes de seu belicoso divórcio e a máquina ilegal de disparos de mensagens.

No balanço final, impressiona que a imprensa tenha sido surpreendida pelo domínio e alcance da nova estratégia de comunicação para atingir os eleitores. Desde maio de 2018, com a articulação da greve dos caminhoneiros, estava claro que redes e aplicativos refundaram a forma como estratos dos mais diversos da sociedade falavam entre si.

O jornalismo parece não ter aprendido nada com o fracasso dessa cobertura. A imprensa necessita renovar ferramentas para estar à altura do desafio de enfrentar robôs e estruturas especializadas. Tem de criar meios para a investigação profunda de tais procedimentos. Precisa entender melhor o comportamento e o interesse do leitor.

Investindo na inovação e na qualificação e readequando seu olhar para um mundo em mudança acelerada, a Folha tem pela frente o desafio de manter a tradição de realizar um jornalismo crítico qualquer que seja o governo, sem se comportar como adversário nem se deixar intimidar.

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