Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Perguntar não ofende?

O limite do questionamento do repórter na busca cotidiana das notícias

Experiente jornalista em Washington, o americano Russell Baker, antigo colunista do jornal The New York Times, certa vez resumiu de forma ácida o ofício que exerceu: "Gastei a vida em corredores de mármore esperando pessoas importantes mentirem para mim".

Instado a comentar os contínuos enfrentamentos entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a imprensa, Baker, hoje com 93 anos, resumiu de forma simples seu ponto de vista: "É uma estratégia para chocar as pessoas —​e lucrar com isso ao final".

A análise de Baker, enviada por um qualificado leitor da coluna, pode explicar o confronto da semana passada entre Trump e o jornalista da CNN Jim Acosta, que resultou na suspensão da credencial do repórter pela Casa Branca. Trata-se de um marco. É, sem dúvida, um dos mais arbitrários gestos na relação com a imprensa da história dos correspondentes em Washington.

Acosta questionara o presidente sobre a caravana de latino-americanos que se aproxima dos EUA e depois sobre a investigação de suposto conluio com a Rússia para influenciar a eleição de 2016. Trump se irritou, reclamou do que chama de mentiras contínuas da CNN e determinou que o repórter sentasse e largasse o microfone que tinha em mãos.

Outros três repórteres se agastaram com o presidente nos últimos dias, reforçando a hipótese de que Trump age por estratégia calculada.

Donald Trump discute com Jim Acosta, jornalista da CNN, em entrevista na Casa Branca
Donald Trump discute com Jim Acosta, jornalista da CNN, em entrevista na Casa Branca - Jonathan Ernst/Reuters

A reação imediata da maioria dos profissionais e das empresas de mídia foi se solidarizar com Acosta e criticar o presidente, por este desrespeitar o direito de expressão e a liberdade de imprensa. Vozes dissonantes, analistas de mídia como Al Tompkins e Kelly McBride, do Instituto Poynter, criticaram o repórter. "Queremos que os jornalistas façam perguntas e busquem a verdade. Mas o tom de Jim Acosta foi de discurso", escreveram. Para eles, se Acosta tivesse formulado sua pergunta em tom mais neutro, provavelmente teria obtido mais informações.

Sem deixar de condenar a agressividade e a falta de respeito ao direito à informação por parte de Trump, entendo que esses críticos tocaram em ponto importante e delicado. Qual o limite da atuação de um repórter? Até onde pode ir o jornalista para tentar tirar seu entrevistado da zona de conforto e obter informação?

Os manuais de jornalismo recomendam que, numa entrevista, as perguntas sejam curtas e objetivas, sem conter afirmações que possam passar a impressão de que o entrevistador já tem convicção formada sobre o personagem ou o assunto. Há uma diferença clara entre ser incisivo e ser ofensivo. A boa pergunta é técnica, busca esclarecer, não confrontar.

O Manual da Folha orienta o jornalista a tratar o entrevistado com educação, inclusive ao fazer perguntas incisivas; estimula que não deixe de abordar temas espinhosos e prega que, se a resposta for evasiva, deve insistir em obter resposta mais clara e objetiva.

Na mesma semana em que Trump registrou seu mais grave conflito com a imprensa americana, o presidente eleito brasileiro, Jair Bolsonaro, concedeu diversas pequenas entrevistas aos jornalistas que acompanham a transição.

Chamou a atenção o tratamento amistoso com que o José Luiz Datena, da Band, tratou Bolsonaro, chamando-o pelo primeiro nome e usando o pronome de tratamento "você".

O bom entrevistador deve manter saudável distanciamento do entrevistado e, no caso específico do presidente, ater-se à necessária liturgia do cargo. Deve ser respeitoso, sem mostrar-se subserviente. Existe um meio-termo ideal entre uma coisa e outra.

Em outro extremo, notei a forma reverencial com que diversos jornalistas trataram o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, em longa entrevista coletiva. Repetidas vezes foi chamado de "doutor", num tom que pode mais demonstrar subserviência do que respeito.

Transmitida em rede nacional, deu à população a possibilidade de avaliar o desempenho tanto de entrevistado como de entrevistadores. Um leitor escreveu à ombudsman reclamando da pergunta da Folha, que considerou sem relevância nenhuma. Para ele, "parecia militância política".

A jornalista Camila Mattoso relembrou que Moro havia definido o presidente eleito como "ponderado e sensato". Citou então que Bolsonaro já defendera a tortura, a ditadura, grupos de extermínio, disse que seria incapaz de amar um filho gay e afirmou que pretendia "fuzilar a petralhada". Moro respondeu que essas afirmações são muitas vezes "colocadas fora de contexto" e que, em sua opinião, Bolsonaro modulou o discurso ao longo do pleito.

Na minha avaliação, a pergunta fazia sentido e buscava esclarecer até que ponto Moro poderia associar-se a episódios que estão longe da ponderação e sensatez e pelos quais poderá ser também julgado futuramente —por leitores, por eleitores e pela história.

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