Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Agonia de grupo tradicional, violência e fraudes marcam ano difícil para jornalistas

Ambiente está carregado para os produtores de notícia, mas a profissão cresce na adversidade

A normalidade significa desconforto para o jornalista; sua paixão está naquilo que não é comum. "Um planeta sem marcas de loucura não atrai o jornalista da mesma forma que tumultos e invasões, países em ruínas e navios a pique, banqueiros banidos e monjas budistas em chamas", definiu o escritor e também jornalista Gay Talese.

Lembrei da passagem de "O Reino e o Poder" ao começar a escrever um balanço de 2018. A semana que passou, por exemplo, foi pródiga em notícias preocupantes para a imprensa.

Um dos símbolos das empresas familiares brasileiras, o Grupo Abril foi vendido pela família Civita.

ilustração do Carvall que mostra uma borracha, com o logo do whatsapp, apagando um fundo com diversas letras
Ilustração de Carvall - Carvall

Agoniza em meio a uma dívida gigantesca (R$ 1,6 bilhão) e vem em processo de contenção de custos que fechou revistas, demitiu funcionários e levou ao pedido de recuperação judicial. A Abril anunciou que fechou acordo para que seja vendida ao empresário Fábio Carvalho, especialista em compra de empresas em situação falimentar.

Se a negociação pode significar a esperança de sobrevivência para algumas das mais importantes revistas do país, é sem dúvida o sinal mais visível da crise do setor e amplia a sensação de insegurança.

A divulgação de relatório internacional do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) trouxe outra alerta preocupante. O CPJ contabilizou 34 jornalistas assassinados neste ano —dois deles no Brasil—, o maior número desde 2015. O caso de Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post assassinado no consulado saudita em Istambul, é o exemplo maias tenebroso.

O número de jornalistas presos por exercer sua atividade chegou a 251, no terceiro ano seguido em que se supera a marca de 250. Dois repórteres da agência de notícias Reuters, Wa Lone e Kyaw Soe Oo, completaram um ano de prisão em Mianmar, condenados enquanto investigavam massacre de rohingyas. Não à toa, eles são alguns dos citados na justificativa da revista Time para atribuir aos jornalistas a escolha de personalidade do ano.

Outro levantamento documentou que, desde janeiro, ocorreram mais de cem incidentes de liberdade de imprensa nos EUA. Aumentou ainda o número de jornalistas que foram atacados e/ou constrangidos pela polícia e por manifestantes no exercício da profissão. No Brasil, um exemplo foram os ataques de bolsonaristas à repórter Patrícia Campos Mello, que revelou o uso ilegal maciço de mensagens do WhatsApp na campanha.

Como se não bastasse de más notícias, um premiado jornalista alemão, Claas Relotius, deixou a revista Der Spiegel depois que uma investigação interna descobriu que ele cometeu fraude jornalística em grande escala. Ele admitiu que incluiu material inventado em pelo menos 14 reportagens. Protagonizou o maior escândalo de fraude desde que a revista Stern publicou diários de Hitler que eram falsos.

Tal conduta fraudulenta estimula os propagadores —em geral, políticos— da onda de descrédito contra a imprensa tradicional. Não são poucos os interesses em estimular tal ataque, como mostrou a campanha eleitoral no Brasil.

2018 foi o ano das notícias falsas, compartilhadas em massa por meio de aplicativos de mensagens eletrônicas. Em resposta, foi também o ano do crescimento e da profissionalização dos mecanismos de checagem de informações, tratados com prioridade.

Jornalistas e leitores não podem reclamar de tédio ou falta de notícia. O cenário político radicalizado e a campanha eleitoral antecipada, por si só, já ocuparam bastante o tempo de quem faz e de quem consome notícia.

A cobertura da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril, o crescimento de Jair Bolsonaro nas pesquisas e o atentado sofrido pelo então candidato, a campanha silenciosa por WhatsApp exigiram dos jornais qualidade e isenção. Esses e outros casos, como a profusão de denúncias de assédio, que culminou com a prisão de João de Deus, estimularam os leitores a participar, criticar, exigir.

Nem sempre a imprensa em geral, e a Folha em particular, mostrou-se à altura da expectativa dos leitores. Nos mais de 40 textos publicados neste espaço em 2018 tentei trazer um pouco de suas preocupações. Mais da metade deles trataram de fake news, campanha eleitoral e Bolsonaro.

Para a Folha, não tem sido um ano fácil. A morte prematura do diretor de Redação, Otavio Frias Filho, foi um abalo doloroso. Por outro lado, o jornal lançou uma nova versão de seu Manual da Redação e implantou uma reforma gráfica que gerou forte reação, mas que agora já parece compreendida pela maioria dos leitores.

Em resumo, o ambiente está carregado para os produtores de notícia, mas o jornalismo cresce na adversidade. Não seriam jornalistas se não estivessem dispostos e preparados a enfrentar tal cenário, com as armas de que dispõem: a capacidade técnica de apurar e relatar os fatos com a precisão, o equilíbrio e a profundidade possíveis.

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