A posse de Jair Bolsonaro como presidente da República, na próxima terça-feira, abre um novo ciclo desde a redemocratização, a completar 34 anos em 2019.
Político atuante há quase três décadas, venceu com discurso contrário a “tudo isso que está aí”. Não era filiado a um partido com representação histórica. Não tinha por trás de si os grandes cardeais do Executivo ou do Legislativo. Fez campanha com parcos recursos declarados. Derrubou certezas do marketing, como a necessidade imperiosa de tempo na propaganda oficial. Articulou uma rede de apoiadores digitais que mesclava apaixonados bolsonaristas com um esquema profissional de divulgação, cuja legalidade ainda está sendo apurada.
Para completar, é o presidente que chega ao poder com o discurso mais belicoso contra a imprensa e os jornalistas. Nisso, como já se repetiu cansativamente, emula o presidente americano, Donald Trump, seja por deslumbramento, seja por estratégia.
No futuro, pesquisadores dissecarão com mais propriedade o impacto da eleição de Bolsonaro no sistema político, com atenção para o que ele chamou de comunicação direta com o público, sem a mediação de órgãos de imprensa.
No tempo presente, imprensa e jornalistas terão de aprender, na base da tentativa e erro, a lidar com esse tipo de comunicação de governo, que diz prescindir da mídia tradicional, ao mesmo tempo que é beneficiado por ela, quando seus conteúdos diretos são replicados para audiências infinitamente maiores do que a de seus propositores originais.
Nos dias que antecederam à posse, Bolsonaro encontrou tempo para usar as redes sociais para classificar como “fake news” diversas reportagens.
As mais prosaicas negativas diziam respeito à conversa com ministro para estabelecimento de limites para a venda de bebida alcoólica ou à possível existência de generais trabalhando no gabinete do filho Eduardo, deputado federal. As mais graves envolviam a Folha.
Em 18 de dezembro, negou o conteúdo de reportagem que informava sobre a retirada de imagens católicas do Palácio da Alvorada. O texto atribuía a informação a fontes do Planalto. O jornal registrou a negativa de Bolsonaro, mas o leitor ficou sem saber quem tinha razão. Esse tipo de procedimento —que se resume a registrar e aguardar a repercussão— é dos mais arriscados.
O que mais demonstra os caminhos perigosos escolhidos pelo presidente eleito foi uma reportagem simples e objetiva, amparada no que se chama de verdade factual: “Pela primeira vez na República, ministério que toma posse excluirá Norte e Nordeste”, publicou a Folha em 21 de dezembro. A linha fina era exemplar: “No primeiro escalão, há 11 integrantes do Sudeste, 8 do Sul, 2 do Centro-Oeste e 1 colombiano”.
A reação do presidente, nas redes sociais, foi raivosa: “A Folha de SP continua a fazer um jornalismo sujo e [de] baixo nível. Agora insinuam falta de representatividade das regiões Norte e Nordeste nos ministérios, como se nascer em uma região se traduzisse em competência e não nascer significasse descaso e abandono. Vão quebrar a cara”.
O que ele chama de jornalismo sujo e de baixo nível foi uma prática jornalística qualificada e inteligente, para um fato de conhecimento geral, cuja potencialidade de notícia não havia sido explorada.
Bolsonaro, quando acuado, tem como padrão de resposta atacar seus acusadores sem se importar com a verdade factual. Foi assim nos casos da funcionária-fantasma no gabinete, do apoio empresarial ilegal para disparo em massa de mensagens de WhatsApp e agora no de ex-funcionário do filho que depositou cheque para a primeira-dama, numa investigação que tem como linha principal, até o momento, a possível cobrança de pedágio de funcionários de ao menos um gabinete de parlamentar da família Bolsonaro.
Os filhos seguem a linha do pai, ou seja, ameaçam jornalistas, convocam levantes contra a imprensa, desfiam teorias conspiratórias criativas sem calço na realidade. Todos, nos momentos de maior questionamento, replicam uma pergunta nas redes sociais: “Quem mandou matar Bolsonaro?”.
É inegável que a facada que o então candidato presidencial tomou em Juiz de Fora, que a polícia atribui até agora a uma ação isolada de um descontrolado, é notícia relevante e esforços devem ser empreendidos pelo jornal na busca de respostas definitivas. No entanto, os Bolsonaros relembram o tema sempre que necessitam de uma cortina de fumaça para que fujam de dar explicações necessárias sobre seus atos, dos temas mais graves aos mais comezinhos.
Nada será como antes após o ciclo que se inicia com a posse do novo governo em 1º de janeiro. Se para melhor ou pior, não vale a pena arriscar, mas os prognósticos até aqui são preocupantes. Saio em férias até fevereiro. Bom ano.
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