Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Necessidade do palavrão que dá precisão às notícias incomoda o leitor

Devo avisar logo ao leitor que este texto contém palavrões, expressões chulas e escatologia

Ilustração

Publicada neste domingo, 2 de dezembro de 2018 Carvall/Folhapress

Como qualquer outra relação, a que liga o leitor ao jornal é feita de amor e ódio, orgulho e decepção. Algumas situações específicas despertam reações imediatas de irritação e revolta. Uma das mais frequentes envolve palavrões, expressões chulas e termos sexuais, especialmente se publicados com destaque.

Devo avisar logo ao leitor que este texto contém palavrões, expressões chulas, termos escatológicos e sexuais, pela simples impossibilidade de discutir a questão sem reproduzi-los. Aquele que se sentir incomodado pode interromper a leitura desde já.

A entrevista publicada no dia 27 com o escritor Olavo de Carvalho, guru de parte da direita brasileira e do presidente eleito, Jair Bolsonaro, reacendeu o debate. Repercutiu nas redes sociais e entre os leitores do jornal a resposta uma pergunta específica.

“O que o sr. pensa sobre educação sexual nas escolas?”, perguntou a repórter. “Quanto mais educação sexual, mais putaria nas escolas. No fim, está ensinando criancinha a dar a bunda, chupar pica, espremer peitinho da outra em público. Acham que educação sexual está fazendo bem, mas só está fazendo mal. O Estado não tem que se meter em educação sexual de ninguém”, afirmou Olavo Carvalho.

Muitas das críticas se concentraram mais na declaração do entrevistado do que na decisão do jornal de publicá-la. Mas houve quem reclamasse de a Folha dar guarida a esse tipo de linguajar. Muitos viram nele apenas a necessidade de chocar e chamar a atenção por parte do entrevistado. O professor de filosofia Ruy Fausto definiu com acidez na Ilustríssima: “Na realidade, a única coisa rigorosa no discurso de Olavo de Carvalho são os palavrões. Os palavrões cumprem por si sós duas funções: violência e familiaridade”.

Cito dois outros episódios semelhantes, que receberam tratamentos editoriais diferentes. Durante a abertura da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, a então presidente, Dilma Rousseff, “foi hostilizada por torcedores com xingamentos e vaias”, segundo noticiou a primeira página da Folha. Internamente o texto relatava que ela foi xingada durante um minuto por torcedores: “Ei Dilma, vai tomar no c...”, como jornal recorrendo às reticências por decoro.

Em abril de 2018, o ministro do STF Gilmar Mendes foi questionado sobre quem havia pago voo que o levara para seminário em Portugal, organizado pelo instituto do qual ele é sócio, às vésperas do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula. A resposta veio em forma de xingamento: “Devolva essa pergunta a seu editor, manda ele enfiar isso na bunda. Isso é molecagem, esse tipo de pergunta é desrespeito, é desrespeito”.

A Folha noticiou o ocorrido de forma discreta em reportagem sob o título “Gilmar afirma que pergunta de repórter da Folha é molecagem”. Avaliei na ocasião que, por ser ministro da principal corte do país, em resposta à pergunta legítima, pertinente e não agressiva, a expressão mais forte deveria não só ter constado do título como ter sido publicada com maior destaque. A frase grosseira era a notícia.

Textos de opinião e charges são também motivo frequente de reclamação de leitores. A colunista Tati  Bernardi, por exemplo, justificou-me:“Defendo as xanas e paus e peidos e merdas no jornal e, sobretudo, na literatura. Mas o motivo tem que ser nobre. Nem sempre acerto”.

O novo Manual da Redação da Folha não aprofunda essa discussão especificamente. Orienta apenas que textos que contenham “palavrão ou material que possa ser considerado obsceno ou perturbador” sejam discutidos com a Secretaria de Redação antes de serem publicados. 

Não fica claro o que pode ser definido como perturbador e em qual circunstância tal palavra tem relevância jornalística que justifique sua publicação, com maior ou menor destaque, mesmo que parte dos leitores se sinta agredida.

Em consonância com uma sociedade de costumes mais informais, jornais brasileiros sempre foram mais liberais a respeito disso do que publicações de outros países. Jornais de circulação internacional como The Wall Street Journal e The New York Times reviram recentemente as restrições a palavrões e expressões chulas.

Concordo com a regra que está se tornando majoritária na imprensa internacional. Se a precisão de uma obscenidade, vulgaridade ou outra expressão ofensiva é essencial para a compreensão do leitor de um evento relevante _não só para transmitir cor ou emoção_, os editores devem considerar válido o uso do termo.

Por outro lado, não é convincente o argumento de que reproduzir uma expressão vulgar é necessário para transmitir atmosfera ou intensidade de sentimento. A relevância jornalística deve ter precedência à regra dos bons costumes, mas o jornal não deve encampar vulgaridade em nome de pretensa liberalidade. 

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