Poucos assuntos exigem tanta atenção e dedicação do jornal e de seus leitores como a reforma da Previdência.
Considerada necessária e urgente por amplo espectro político-ideológico e socioempresarial, a reforma tem sido discutida e prometida por todos os governos após a redemocratização. Todos fracassaram no plano geral, tendo conseguido apenas vitórias pontuais, em vez de modificações amplas e reestruturantes. Começaram com projetos grandiosos e terminaram cedendo em pontos que consideravam essenciais.
Na última quarta-feira (20), depois de muitas idas e vindas, o presidente Jair Bolsonaro entregou ao Congresso o texto básico com a proposta de mudanças constitucionais. A mídia em geral debruçou-se sobre dezenas de artigos e parágrafos com lupa, mas, por vezes, noticiava os tópicos em geral sem ressalvar o lento processo legislativo adiante e as inconsistências jurídicas.
O projeto passará por comissões diversas, receberá emendas, acréscimos e cortes por meio de destaques e adendos. Ao fim, serão necessárias duas votações na Câmara e duas no Senado, com o texto tendo de receber o apoio de três quintos dos parlamentares nas duas Casas para ser aprovado. Essa necessária e óbvia ressalva impede que o projeto seja tomado como obra acabada, em vez de processo em construção.
Leitores mais desavisados e pouco afeitos ao processo legislativo tomaram mudanças como concretas e definitivas, o que estão muito longe de ser.
A Folha fez uma cobertura, tanto na versão digital quanto na impressa, que se pode definir como correta, mas sem se sobressair no mar de informações que inundou a cabeça dos leitores. A tão esperada entrega do projeto —capaz de mudar a vida de gerações inteiras de forma radical— deveria ter ensejado edição mais caprichada em sua apresentação visual, mais criativa e, principalmente, mais analítica e crítica.
É inegável que a reforma é ampla, engloba aspectos diversos e deve ser analisada com profundidade para evitar conclusões precipitadas ou avaliações frágeis. O fundamental era —e continua sendo— traduzir para o leitor, de forma didática e aprofundada, o que será discutido no Congresso, com maior ou menor chance de aprovação, e quais os impactos nas contas públicas e na vida das pessoas.
Quais os pontos que devem enfrentar maior resistência de parlamentares e lobbies? De que forma? Quais os principais questionamentos jurídicos e seus fundamentos? Aqui e ali havia referências a tais pontos, mas faltou concatenação editorial e peso analítico para qualificar a proposta e projetar obstáculos à frente.
Detalhe importante na cobertura da Folha: o site do jornal passou grande parte do dia da divulgação da reforma tendo como destaque principal o caso do envolvimento do ministro do Turismo com os candidatos laranjas. Considero equivocada a decisão.
Passou a impressão de que o jornal estava mais preocupado em derrubar outro ministro do que em dedicar tempo e espaço ao esclarecimento das mudanças que poderão afetar diretamente seus leitores.
Como obra em progresso, a reforma tomará muito espaço ainda nos jornais. Exigirá pluralidade de pontos de vista, checagem minuciosa de cifras e valores —o grau de incerteza da economia a ser obtida é só um deles— e a identificação de "jabutis" como a possibilidade de fim do pagamento de multa de 40% do FGTS a quem já estiver aposentado.
A discussão sobre as mudanças na aposentadoria dos brasileiros está apenas começando --mais uma vez. É preciso encarar a missão de traduzir, discutir e problematizar de modo equilibrado, fácil e organizado cada passo dessa caminhada.
Jornais demoraram a ver de perto a tensão na fronteira
Muitos repórteres, em diferentes momentos, já foram enviados pela Folha a Caracas, às fronteiras da Venezuela e a Roraima, destino inicial do maior número de refugiados que entram hoje no Brasil.
Desde a reeleição de Nicolás Maduro, em 2018, e especialmente após o oposicionista Juan Guaidó autodeclarar-se presidente da Venezuela, a tensão cresceu. A situação dos últimos dias não pode ser vista como corriqueira. Estava marcada por Guaidó para sábado (23) a entrada da ajuda humanitária aos venezuelanos.
No jornal de sexta (22), a Folha não deu na manchete. Logo de manhã, soldados venezuelanos atiraram contra indígenas, matando dois e ferindo pelo menos 15 deles.
Nenhum dos principais jornais brasileiros estava lá. A Secretaria de Redação informou que enviou para a fronteira colombiana e brasileira repórteres que começaram a dar notícias na noite de sexta. A Folha pareceu lenta e tímida.
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