Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Início do governo Bolsonaro desenha relações complicadas à frente

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São Paulo

Os primeiros 40 dias de 2019 deram sinais de como se molda a relação da imprensa com o governo Jair Bolsonaro. Tempos difíceis se anunciam. Administrações em fase inicial são repletas de planos auspiciosos, intenções louváveis e personagens crus no trato com a mídia.

Desde a posse, parcela significativa de leitores que mandam mensagens para a ombudsman reclama de suposto pessimismo e da má vontade da Folha em relação ao novo governo. “Você foi capaz de ler uma notícia positiva sobre o governo democraticamente eleito nos últimos três meses ?”, perguntou um leitor.

ilustração
Carvall

“A Folha realmente está se esmerando em irritar seus leitores. A quantidade de notícias negativas sobre o governo Bolsonaro, sempre em destaque, explicitam de forma clara a opção do jornal por ser uma voz ativa contra o governo atual. Não votei em Bolsonaro como jamais votaria em Haddad, mas acho que a Folha está passando do ponto em sua saga de enxovalhar o governo central”, escreveu outro.

Parte dessa reação pode ser atribuída à natureza das torcidas que as eleições provocam. É um campo em que a paixão ofusca a razão. Outra parte difícil de mensurar pode vir de erros de imprecisões da imprensa e do uso que a família Bolsonaro e seus apoiadores fazem das redes sociais.

Tanto o presidente como seus filhos são ativos críticos da mídia nas mensagens que enviam a milhares de seguidores. “Graças a Deus temos a internet para ter informação e desenvolvimento”, tuitou o 
presidente. Bolsonaro desautoriza informações apuradas em off, desmente declarações da própria equipe, provoca a imprensa, ironiza reportagens e compartilha textos de apoiadores e —pecado grave— até mesmo de publicações mentirosas.

Incomodado com notícia publicada pela Folha, Eduardo, o filho do presidente com mandato de deputado federal, escreveu: “Será assim pelos próximos quatro anos. Muita especulação e muita informação sem conexão com a realidade. Estamos acostumados: quem perde é o jornal a sua credibilidade (se é que ainda há quem acredite na Folha)”.

Com a imagem de ás das redes sociais é Carlos, vereador no Rio, quem acumula mais ataques à mídia. “Utilizo minhas redes para ter comunicação direta com quem realmente manda neste país e fazer o possível para deixá-los por dentro do que acontece no dia a dia. Essa é a nova política apoiada pelos que anseiam por rumos melhores. Estamos apenas atendendo a esta nova demanda!”, explicitou 
em uma de suas postagens.

O editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, enfatiza que a Folha não faz oposição ao governo Bolsonaro, como não fez a nenhum governo: “Nosso objetivo é seguir fazendo jornalismo crítico, independente 
e apartidário”.

Escrutinar atos e ideias —de hoje e de ontem— do presidente e de cada um dos ministros é obrigação dos repórteres e do bom jornalismo. Traduzir, analisar e criticar as ações mais relevantes, nas diferentes áreas, são funções necessárias e prioritárias, que precisam ser executadas com qualidade técnica e sem viés ideológico.

O que há de novo no cenário atual é a mudança de um tradicional campo de conflito entre imprensa e governo. Não são mais páginas da imprensa ou minutos nos noticiários da TV. Os Bolsonaros deslocaram o embate para a fluida e pantanosa área das redes sociais.

Mesmo que discorde de distorções e ataques desprovidos de base técnica feitos por bolsonaristas, reconheço que manter a imprensa sob questionamento é uma vertente saudável dos novos tempos. Isso torna mais difícil o trabalho do jornalista. Não é simples assumir o papel de vidraça e acostumar-se à crítica pública.

Exige atenção redobrada. Cada informação mal apurada, errada ou desmentida abala a credibilidade e dá munição àqueles que buscam desacreditar a imprensa.

Outros pontos sensíveis se apresentam, como definir a forma adequada de informar sobre os tuítes presidenciais. Não faz sentido apenas reproduzi-los, uma vez que seu conteúdo chegou aos jornalistas ao mesmo tempo que para o cidadão comum. É preciso contextualizar, aprofundar, problematizar, criticar e apurar cada um deles, em vez de se contentar em apenas relatá-los.

Os Bolsonaros, muitas vezes, criticam a imprensa mais por suas qualidades do que por seus defeitos. Lançam tuítes como quem carrega pedra numa atiradeira, para traduzir cartum da revista Time sobre Trump e os jornalistas. Costumam resumir suas queixas à hashtag desdenhadora “fake news”, em vez de buscarem a transparência como método e a clareza como regra.

Investigar relações do passado, pôr à prova planos e declarações, esquadrinhar patrimônios e relações profissionais escusas é louvável. Apenas torcer —contra ou a favor— é fácil. O dinheiro e o tempo dos leitores não devem ser desperdiçados. O jogo só começou.

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