Há três meses no poder, o presidente Jair Bolsonaro tem se revelado um obsessivo no relacionamento com a imprensa e, em especial, com esta Folha.
Na quarta (27), em entrevista à Band, reclamou mais uma vez de que a imprensa prefere "futrica e fofoca" a mostrar "coisas boas". Disse não pretender ficar na mão de "certos órgãos de imprensa, cuja especialidade é distorcer; mais do que isso, mentir o tempo todo".
Nesse momento, Bolsonaro exibiu a flor amarga que cultiva: "Geralmente é a Folha de S.Paulo que começa com tudo. Toda a fonte do mal é a Folha de S.Paulo". O entrevistador perguntou se o presidente tinha obsessão pelo jornal: "Não. Ela é que tem por mim".
A declaração do presidente coroou a semana de ataques do primeiro escalão do governo à Folha. Ao responder a um editorial que o responsabilizava por acumular conflitos na pasta, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu que o jornal é parte da "esquerda militante", cuja estratégia é "rotular e difamar".
O ministro do Turismo, Álvaro Antônio, numa reunião em que buscava explicar o uso de laranjas no recebimento de doações eleitorais, fez graça ao lhe perguntarem se estava tudo bem: "Tirando a Folha e a Globo, está tudo bem".
Bolsonaro também vetou a participação de representante da Folha em entrevista após encontro com empresários.
Já escrevi aqui algumas vezes sobre os ataques de Bolsonaro, seus filhos e seus seguidores contra a imprensa. Já critiquei também alguns desequilíbrios e falhas de coberturas feitas pela Folha. Listei os desafios que o cenário institucional, político e econômico impõe à imprensa de modo geral e à Folha especificamente.
Ao mesmo tempo que existem barreiras e dificuldades para acompanhar, investigar e noticiar o atual governo, seu estilo acaba por facilitar a cobertura estridente.
Com um rol de ministros que falam demais e criam polêmicas gratuitas, com anúncios de medidas seguidos de recuos, com disputas internas de poder e sucessivas mudanças de equipe, tem sido fácil produzir um noticiário barulhento. Tal caldeirão, no entanto, embute a armadilha de o jornal se perder no acessório declarativo e improdutivo, deixando de lado o mundo real, o impacto das ações do governo na vida das pessoas e no funcionamento das instituições.
Tome-se como exemplo a cobertura sobre a grave crise por que passa o Ministério da Educação. Já houve quatro ocupantes da secretaria-executiva, a cadeira operacional mais importante do ministério. A luta interna de poder que opõe nomes ligados a militares aos seguidores do ideólogo de parte dos bolsonaristas, Olavo de Carvalho, já rendeu muitas páginas.
O que me pareceu subdimensionado foi o efeito da gestão de um ministro que tem se mostrado desqualificado e inoperante na implantação, formulação e operacionalização das diversas políticas públicas inerentes à sua pasta. Mesmo considerando que muito só será sentido a médio e longo prazo.
Qual o efeito, por exemplo, do corte de 21 mil cargos comissionados pelo governo Bolsonaro, quase 14 mil deles vinculados a universidades públicas? Aqui e ali se apontou que o decreto atinge servidores de carreira, não apaniguados políticos; universidades recém-criadas foram mais afetadas e professores com papel de coordenadores em seus cursos deixaram de ser gratificados.
Foram menções laterais, com o decreto sendo esmiuçado no Diário Oficial, mas não nas salas de aula —onde está o que se chama de vida real.
A editora de Cotidiano, Luciana Coelho, considera a cobertura competente, mas explica a dificuldade de avançar em bastidores por causa da contradição e da confusão dentro do governo. Como há poucas medidas tomadas, diz, "a cobertura se restringe ao vaivém e à política, o que é frustrante".
Outro exemplo foi a notícia, na sexta (29), de que a Educação foi a área mais afetada pelo corte de Orçamento: quase 30%, caindo de R$ 24 bilhões para R$ 17 bilhões. O jornal precisa mostrar as consequências de tal contingenciamento.
Somado ao anúncio da proposta bolsonarista de CPI da Educação, parece que o governo elegeu o setor —visto como tomado por viés ideológico esquerdista— como outro inimigo mítico, além da imprensa.
A Folha e os jornais em geral cobrem muito os corredores de palácios e repartições. Preocupam-se por demais com as declarações do primeiro e do segundo escalão, mantendo-se distante do impacto de suas políticas no rés do chão.
Educação é tema que se deve cobrir com certo grau de obsessão. Tomando como referência a frase do presidente, eu diria que a fonte do mal no jornalismo é dar voz a autoridades destemperadas em vez de dar ouvidos àqueles que possam traduzir o resultado de governança incompetente no cotidiano produtivo da nação. Resumindo: mais planície, menos planalto.
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