Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Quando imagens precisam de palavras

Galerias de fotos sem lógica e legendas sem informação são desserviço

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Fotografar é escrever com a luz, diz uma das mais belas definições desse ofício. A assertiva torna-se ainda mais precisa quando se tem em mente o fotojornalismo. Desde a primeira versão do Manual da Folha, em 1984, o jornal denomina os profissionais da imagem de repórteres fotográficos. Produzem notícias e furos com a luz do seu trabalho.

A edição de fotos sem critérios claros e a identificação confusa de personagens de imagens publicadas são motivo de reclamações dos leitores. Uma fiel assinante da Folha relata exemplo que a irrita. "As eleições passaram, Bolsonaro já ganhou. As fotos que aparecem no meio dos artigos continuam a mostrar a cara do Bolsonaro, a cara do Bolsonaro, a cara do Bolsonaro, a cara do Bolsonaro"¦ Mesmo quando o tema da reportagem poderia buscar algo mais criativo. Imagino que seja alguma automatização do sistema, mas é uma forma pouco inteligente de resolver a questão." Ela pergunta qual a razão de repetir as fotos no meio de artigos e reportagens em que o presidente aparece como tema.

A editora de Digital da Folha, Camila Marques Braga, explica que as galerias de fotos formam narrativas em imagens que podem contar uma história atemporal. "É uma forma de mídia digital que engaja bastante o leitor, faz com que permaneça mais tempo interagindo com o conteúdo e amplie o tempo de leitura."

Em tese, a definição é clara. Na prática cotidiana, muitas das narrativas têm provocado mais ruído do que informação. Na semana passada, naveguei aleatoriamente pelo site. Não foi difícil levantar problemas.

Na reportagem sobre o crescimento da economia nacional no ano passado, há uma galeria com seis fotos sob o título "Entenda o desempenho do PIB de 2018". Nenhuma das imagens se prestava àquilo que o título prometia. Eram fotos frias, antigas e sem identificação.

É certo que fotos ajudam a ganhar cliques importantes para a contabilidade de audiência eletrônica, mas, no caso, o leitor ganharia mais em informação se tivesse a seu dispor gráficos que explicassem o desempenho da economia. 

A Folha precisa mudar urgentemente o modo como são tratadas essas galerias, dominadas por um automatismo antijornalístico e ineficiente.

Além da edição equivocada, a identificação dessas imagens é com frequência imprecisa, quando não errada ou inexistente. A ausência da data em que a foto foi feita pode até levar à compreensão errônea.

Como o Manual da Folha explica, "a legenda, ou descrição da foto, é um dos primeiros elementos de atração do interesse do leitor e merece tanto cuidado quanto os títulos".

Na terça (26), Ana Luiza Rosa, 17, interessou-se por um mosaico com fotos não óbvias dos bastidores do Oscar, em página impressa. A legenda que as descrevia não tinha lógica numérica. "Por que não colocar a numeração em ordem com a legenda?", perguntou.

Para esclarecer, a leitora pedia apenas que a legenda se referisse primeiro à foto 1, depois à 2 e assim sucessivamente. Mas não: o texto fazia referência à foto 4, depois à 7 e, em seguida, à foto 2 e assim por diante. Quase uma brincadeira.

Para o secretário-assistente de Redação, José Henrique Mariante, legenda numerada como a que foi criticada permite que se fale de um mesmo assunto sem repetição de informações. "A ordem escolhida privilegiou o nexo e não a ordem das fotos. E, sim, não foi a melhor solução. É uma ferramenta do projeto gráfico. Assim como há casos em que ela não funciona direito, há outros tantos em que funciona e, é claro, nem é se percebe", reconheceu ele.

O tema desta coluna pode parecer a alguns apenas um blá-blá-blá técnico do fazer jornalístico. Trata-se enfim de hierarquização e precisão, qualidades jornalísticas essenciais. Em última instância, trata-se de credibilidade.

Foto premiada foi feita por repórter com celular

Guerreiros mundurucus cruzam garimpo de ouro que devastou o rio das Tropas e parte do seu território, no município de Jacareacanga, sudoeste do Pará. Foto ganhou o Prêmio Folha de imagem em 2018
Guerreiros mundurucus cruzam garimpo de ouro que devastou o rio das Tropas e parte do seu território, no município de Jacareacanga, sudoeste do Pará. Foto ganhou o Prêmio Folha de imagem em 2018 - Fabiano Maisonnave - 25.jan.2018/Folhapress

A foto acima ganhou o Prêmio Folha de imagem em 2018. O autor não é fotógrafo. O aparelho que registrou a cena não era uma máquina fotográfica profissional, mas um telefone celular. O caso ilustra uma nova realidade profissional.

O repórter Fabiano Maisonnave acompanhava uma comitiva de índios mundurucus que tentava expulsar garimpeiros de suas terras no Pará. Viajou sozinho durante quatro dias. A Folha não tem fotógrafos na região, e as viagens de última hora ficam caríssimas.

"A situação dos garimpos ilegais na área dos mundurucus é tão dramática que, mesmo com celular, consegui boas imagens. Mas um fotógrafo profissional faria muito melhor", disse Maisonnave, que decidiu doar o valor do prêmio aos índios.

Em 2017, o fotógrafo Avener Prado passou apenas meia hora em operação do Ibama na região, e também ganhou o Prêmio Folha. A tribo dá sorte.

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