Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às terças e sábados.
Lobistas, armas e dinheiro
A agora infame lei "Stand Your Ground", da Flórida, que permite que você atire em alguém que considere que o está ameaçando, sem por isso precisar ser detido, muito menor processado, soa louca -- e é. É tentador pensar que essa lei é obra de caipiras ignorantes. Mas leis semelhantes vêm sendo promovidas em todo o país, não por caipiras ignorantes mas por grandes corporações.
Especificamente, um texto virtualmente idêntico ao da lei da Flórida faz parte de um modelo entregue a legisladores de outros Estados pelo American Legislative Exchange Council (ALEC), uma organização patrocinada por empresas e que vem conseguindo manter perfil baixo, mesmo exercendo influência enorme (apenas recentemente é que veio à tona um quadro claro das atividades da ALEC, graças ao trabalho cuidadoso do Centro de Mídia e Democracia). E, se existe algum aspecto positivo a ser tirado do assassinato de Trayvon Martin, é que esse caso pode finalmente chamar a atenção para o que a ALEC vem fazendo a nossa sociedade -- e nossa democracia.
O que é a ALEC? Apesar de afirmar-se apartidária, é uma organização que possui forte afinidade com o movimento conservador, sendo financiada pelos suspeitos de sempre: os Koch, a Exxon Mobil e assim por diante. Diferentemente de outros grupos desse tipo, porém, ela não apenas influencia leis como literalmente as escreve, entregando a legisladores estaduais projetos de lei completamente redigidos. Na Virgínia, por exemplo, já foram submetidos ao Judiciário mais de 50 projetos de lei redigidos pela ALEC, muitos deles com o texto mantido integralmente. E muitos deles foram promulgados em lei.
Muitos projetos de lei redigidos pela ALEC promovem metas conservadoras padrão: o combate ao movimento sindical, o enfraquecimento da proteção ambiental, concessão de incentivos fiscais a corporações e aos ricos. Mas a ALEC parece ter interesse especial na privatização, ou seja, entregar a prestação de serviços públicos, desde escolas a prisões, a empresas com fins lucrativos. E muitas das maiores beneficiárias da privatização,como a empresa de ensino online K12 Inc. e a operadora de penitenciárias Corrections Corporation of America, estão profundamente envolvidas com a ALEC, fato que não surpreende.
O que isso nos revela, por sua vez, é que a alegação feita pela ALEC de que promove o livre mercado e a limitação do papel do governo na economia é profundamente enganosa. Em grande medida o que ela busca não é limitar o papel do governo mas promover um governo privatizado, no qual as corporações recebam seus lucros a partir dos dólares dos contribuintes, dólares que são desviados para elas por políticos amigos. Resumindo, a ALEC não está tão interessada em promover o livre mercado quanto está interessada em ampliar o capitalismo clientelista.
Caso você esteja se perguntando sobre isso, não, o tipo de privatização que a ALEC promove não atende aos interesses públicos: ao invés de histórias de sucesso, o que temos visto são escândalos em série. As escolas particulares do tipo "charter" (independentes), por exemplo, parecem render muitos lucros mas poucos resultados em termos de aproveitamento educacional.
Onde é que o incentivo à ação do tipo justiceira se encaixa nesse quadro? É em parte a mesma velha história: a eterna exploração dos medos do público, especialmente os medos ligados à tensão racial, com a finalidade de promover uma agenda pró-empresas, pró-ricos. Não é por acaso, nem constitui surpresa, que a National Rifle Association [o lobby pró-armas] e a ALEC sejam aliadas estreitas desde sempre.
E fica claro que a ALEC, ainda mais que outros organizações do movimento conservador, age com vistas a continuar atuando no longo prazo. Suas propostas legislativas não visam apenas gerar benefícios imediatos às empresas que a subsidiam -- visam criar um clima político que seja favorável a ainda mais legislações futuras que beneficiem as grandes empresas.
Será que mencionei que a ALEC vem tendo um papel chave na promoção de projetos de lei que dificultam o voto dos pobres e das minorias étnicas?
Mas não é apenas isso: é preciso pensar nos interesses do complexo penal-industrial -- operadoras de prisões, empresas de pagamento de fianças, e outros (a American Bail Coalition [Coalizão americana de fianças] descreveu publicamente a ALEC como seu "salva-vidas"). Esse complexo tem interesse financeiro em tudo que leve mais pessoas para os tribunais e as prisões, quer seja um medo exagerado das minorias raciais ou a draconiana lei de imigração do Arizona, lei essa que seguiu o texto proposto pela ALEC quase palavra por palavra.
Pense nisso: parece que estamos nos convertendo num país em que o capitalismo clientelista não apenas desperdiça dinheiro do contribuinte como distorce a justiça criminal; um país em que o encarceramento de mais e mais pessoas reflete não a necessidade de proteger os cidadãos respeitadores das leis, mas os lucros que empresas podem auferir com o aumento da população carcerária.
A ALEC não é a única responsável pela corporatização de nossa vida política; sua influência é tanto um sintoma quanto uma causa. Mas lançar uma luz sobre a ALEC e seus defensores --grupo que inclui muitas empresas, desde a AT&T e a Coca-Cola até a UPS, que até agora conseguiram evitar ser associadas publicamente à agenda da direita irredutível -- é uma boa maneira de chamar a atenção para o que vem acontecendo. E é esse tipo de consciência que precisamos para começarmos a reconquistar nosso país.
TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN
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