Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman
Descrição de chapéu Donald Trump

Um velho resmungão com armas nucleares

Será que Trump vai de fato fazer o que resmunga com tarifas ao aço?

O presidente Donald Trump durante reunião na Casa Branca
O presidente Donald Trump durante reunião na Casa Branca - Evan Vucci/AP

Imagine que você está em uma lanchonete, ouvindo um velho rabugento lhe dizer o que há de errado no mundo —e o que há de errado consiste principalmente dos estrangeiros de quem somos vítimas, e que se aproveitam de nós. Mesmo assim, você decide ouvi-lo; afinal, aproximadamente 17 mil análises publicadas pela mídia afirmam que os velhos rabugentos que encontramos na lanchonete representam a verdadeira América.

Mas apesar de seus melhores esforços para evitar qualquer condescendência, você não consegue deixar de reparar que as opiniões dele são um tanto... distantes dos fatos. Não, não estamos passando por uma onda de crimes violentos executados por imigrantes. Não, não doamos vastas quantias em assistência internacional. Basicamente, aquilo que ele acredita serem fatos são coisas que imagina ter ouvido em algum lugar, quem sabe na Fox News, e cuja veracidade não se incomodou em verificar.

É verdade que devemos nos dispor a dar o benefício da dúvida ao cidadão comum, quanto a assuntos como esses. As pessoas têm filhos para criar, trabalhos a fazer, vidas a viver, e por isso não deveríamos esperar que sejam especialistas em questões de política pública —se bem que elas devessem no mínimo saber melhor o quanto não sabem.

Mas e se o velho resmungão e mal informado que acredita fortemente em coisas que não são verdade for o presidente dos Estados Unidos?

A declaração de Donald Trump de que está pronto a impor tarifas sobre as importações de aço e alumínio é uma má política, mas por si só não representa grande problema. A coisa verdadeiramente perturbadora é a maneira pela qual ele parece ter chegado a essa decisão, que aparentemente apanhou de surpresa até mesmo sua equipe econômica.

Para começar, a suposta justificativa legal para a decisão foi a de que as tarifas são necessárias para proteger a segurança nacional. Afinal, não podemos depender de potências estrangeiras hostis e instáveis, como o Canadá, nosso principal fornecedor internacional, para o alumínio de que necessitamos. (O Canadá também é o nosso principal fornecedor estrangeiro de aço.)

O ponto é que o raciocínio usado para embasar essa política foi evidentemente fraudulento, e isso importa. Dá a outros países direitos legais plenos de retaliar, e eles o farão. A União Europeia —que, aliás, tem posição muito mais importante do que a dos Estados Unidos no comércio internacional —ameaçou impor tarifas sobre motocicletas Harley-Davidson, bourbon e blue jeans.

Enquanto isso, nos dias que se seguiram ao anúncio de Trump, ele tuitou mentira após mentira. E com isso não quero dizer que ele afirmou coisas com as quais discordo; quero dizer que ele vem dizendo coisas que são simplesmente incorretas mesmo de acordo com o governo dos Estados Unidos. Ele declarou, por exemplo, que temos um grande déficit comercial com o Canadá; na verdade, de acordo com números compilados nos Estados Unidos, temos um pequeno superávit.

Ele afirmou que os europeus impõem "pesadas tarifas" sobre produtos norte-americanos; o guia do governo norte-americano para exportadores afirma que "as exportações norte-americanas à União Europeia desfrutam de uma tarifa média de apenas 3%".

Não estou falando de errinhos insignificantes. Trump —que poderia obter informações abrangentes sobre qualquer assunto; basta pedir— prefere no lugar disso assistir ao programa Fox and Friends, e a imagem do comércio internacional que ele tem na cabeça tem tão pouca semelhança com a realidade quanto a sua visão de um país assolado por imigrantes violentos.

E sua ideia sobre o que fazer quanto a esses problemas imaginários representa não mais que uma diatribe de boteco. "Guerras comerciais são boas, e fáceis de vencer", ele tuitou, claramente acreditando que "vencer" significa vender mais ao parceiro do que ele vende a você. Não é assim que funciona.

Na realidade, mesmo que os Estados Unidos fossem capazes de eliminar o déficit comercial via tarifas, haveria muitos efeitos colaterais desagradáveis: taxas de juros muito mais altas, que prejudicariam o mercado de imóveis e as pessoas pesadamente endividadas (alô, Jared), e uma alta acentuada do dólar, que prejudicaria severamente os exportadores, por exemplo muitos dos agricultores dos Estados Unidos. E uma guerra comercial aberta perturbaria as cadeias internacionais de suprimentos, causando deslocamentos que afetariam grande número de trabalhadores. Estimativas do governo norte-americano apontam que as exportações à União Europeia, Canadá e México geram 2,6 milhões, 1,6 milhão e 1,2 milhão de empregos nos Estados Unidos, respectivamente.

Será que Trump vai de fato fazer o que resmunga? Ninguém sabe. Talvez os adultos do governo, se é que resta algum, encontrarão algum brinquedinho reluzente com o qual distrair sua atenção —por exemplo "concessões" insignificantes do Canadá e do México que o convençam de que saiu ganhando, e muito. Mas quer uma guerra comercial aconteça, quer não, a exibição de ignorância belicosa da parte de Trump deveria nos preocupar, e muito.

Para começar, adotar uma posição dura e estúpida sobre o comércio internacional basta para reduzir a credibilidade dos Estados Unidos. Se ameaçamos nossos aliados mais importantes de retaliação por políticas que eles nem mesmo praticam, como podemos esperar que confiem em nós —ou nos apoiem— quanto a qualquer outra coisa?

Além disso, existe algum motivo para acreditar que a ignorância beligerante de Trump vá se limitar apenas ao comércio internacional? Na verdade, sabemos que ele é igualmente bombástico e desorientado (com o acréscimo de boa dose de racismo) quando o assunto é o crime, e não existe motivo para acreditar que seja melhor quanto a questões de segurança nacional.

Ouvir um velho ranzinza vociferando bobagens é irritante mesmo nas melhores circunstâncias. Mas quando o velho em questão controla as maiores forças armadas do planeta, e seu arsenal nuclear, a coisa é muito mais assustadora. 

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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