Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Corte de impostos sacrifica educação nos EUA

Crença da direita em que cortes de impostos criam crescimento representa triunfo da ideologia sobre provas esmagadoras em contrário

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Matt Bevin, o governador do Kentucky (EUA) - Joshua Roberts-15.abr.2018 / Reuters

Matt Bevin, o governador republicano e conservador do Kentucky, perdeu as estribeiras alguns dias atrás. Milhares de professores de seu estado entraram em greve, forçando muitas escolas a fechar as portas por um dia, em protesto contra a oposição do governador a um aumento nas verbas para a educação. Bevin contra-atacou com uma acusação bizarra: "Garanto a vocês que em algum lugar do Kentucky, hoje, uma criança foi agredida sexualmente porque teve de ficar em casa e não havia ninguém por lá para cuidar dela".

Ele se desculpou depois. Mas seu chilique histérico tinha raízes profundas: em nível municipal e estadual, a obsessão dos conservadores com cortes de impostos forçou o Partido Republicano a travar uma guerra contra a educação, e especialmente uma guerra contra os professores. Essa guerra é o motivo para que estejamos vendo greves de professores em diversos estados americanos. E pessoas como Bevin estão enfrentando dificuldades para lidar com a realidade que elas mesmas criaram.

Para compreender como as coisas chegaram a esse ponto, é preciso saber o que o governo dos Estados Unidos faz com o dinheiro dos contribuintes.

O governo federal, como diz a velha frase, serve basicamente como uma companhia de seguros dotada de um exército. Os gastos não relacionados à defesa são dominados pela previdência social e pelos programas de saúde Medicare e Medicaid. Já os governos municipais e estaduais são distritos educacionais dotados de polícias. A educação responde por mais de metade dos funcionários públicos estaduais e municipais; serviços de proteção como a polícia e os bombeiros respondem por boa parte do restante dos gastos.

Assim, o que acontece quando conservadores linha dura conquistam um governo estadual, como fizeram em muitas áreas do país depois da ascensão do Tea Party em 2010? Eles quase invariavelmente promovem grandes cortes de impostos. Usualmente, esses cortes são vendidos com a promessa de que impostos menores estimularão muito a economia estadual.

Mas essa promessa nunca, nunca mesmo - e eu quero dizer nunca - é cumprida. A crença continuada da direita em que cortes de impostos magicamente criam crescimento representa um triunfo da ideologia sobre provas esmagadoras em contrário.

O que os cortes de impostos causam, em lugar disso, é uma queda acentuada na arrecadação, o que demole as finanças estaduais. Porque uma grande maioria dos estados tem a obrigação legal de manter orçamentos equilibrados, isso significa que quando a arrecadação tributária despenca, os conservadores que governam muitos deles não podem fazer o que Trump e seus aliados no Congresso estão fazendo em nível federal - simplesmente permitir que o déficit orçamentário federal dispare. Em lugar disso, eles precisam cortar gastos.

E dada a posição central da educação nos orçamentos dos estados e municípios, os professores ficam na mira.

Afinal, de que maneira um governo pode economizar com a educação? Poderia reduzir o número de professores, mas isso significa classes com mais alunos, o que irrita os pais. Poderia cortar os programas dirigidos a alunos com necessidades especiais, mas isso propicia economias muito pequenas. O mesmo vale para medidas de contenção de custos como negligenciar a manutenção das escolas e reduzir a compra de material escolar a um ponto que leva professores a suplementar os orçamentos escolares usando dinheiro pessoal.

Assim, o que os governos estaduais conservadores têm feito é espremer os professores.
Todo mundo sabe que ensinar crianças nunca foi maneira de enriquecer. Mas ser professor colocava a pessoa solidamente na classe média, com renda e benefícios decentes. No entanto, isso deixou de ser verdade, em boa parte dos Estados Unidos.

No nível nacional, a renda dos professores de escolas públicas está subindo menos que a inflação desde a metade dos anos 90, mesmo em comparação com a renda de trabalhadores assemelhados. Hoje, professores ganham 23% a menos do que outros profissionais dotados de curso superior. Mas essa média nacional é um tanto enganosa: os salários dos professores na verdade subiram em alguns estados grandes como Nova York e Califórnia, mas despencaram em muitos dos estados de inclinações direitistas.

Enquanto isso, os benefícios dos professores também estão em queda. Um problema especialmente sério é que eles estão tendo de cobrir porções sempre maiores do custo de seus planos de saúde, o que representa uma verdadeira sobrecarga em um período de queda de renda real.

Assim, ficamos com um país no qual os professores, de quem dependemos para que nossos filhos estejam preparados para o futuro, começam a se sentir membros da classe trabalhadora pobre, e são incapazes de manter as contas em dia se não encontrarem segundos empregos. E eles simplesmente não aguentam mais.

O que nos conduz de volta ao rompante insano de Bevin.

Uma maneira de analisar o que está acontecendo em diversos estados americanos hoje é que a reação hostil à eleição de Obama, combinada ao tribalismo crescente da política americana, entregou os governos de alguns deles a ideólogos de extrema direita. Esses ideólogos realmente acreditavam que criariam uma utopia libertária, com governos pequenos e impostos baixos.

Como se poderia prever, eles não conseguiram fazê-lo. Por algum tempo, conseguiram escapar às consequências de seu fracasso empurrando os custos de suas medidas para os trabalhadores do setor público, especialmente os professores. Mas essa estratégia chegou ao limite. E agora?

Bem, alguns republicanos na verdade se mostraram dispostos a aprender com a experiência, reverter os cortes de impostos e restaurar o orçamento da educação. Mas muitos deles respondem como Bevin fez: em lugar de admitir, mesmo que implicitamente, que estavam errados, eles preferem atacar, de modo cada vez mais insano, as vítimas de suas políticas.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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