Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman
Descrição de chapéu 10 anos da crise global

Dias de medo, anos de obstrução

Por que a rápida recuperação financeira dos EUA não levou a uma rápida recuperação econômica?

O banco Lehman Brothers quebrou dez anos atrás. A economia dos Estados Unidos já estava em recessão, mas a queda do Lehman e o caos que se seguiu a jogaram despenhadeiro abaixo: 6,5 milhões de empregos seriam perdidos nos 12 meses seguintes. Foi um momento aterrorizante.

Mas ainda assim não passamos por um replay completo da Grande Depressão, e houve quem argumentasse que o sistema funcionou, no sentido de que as autoridades econômicas fizeram o necessário para evitar uma catástrofe.

Mas isso é só uma meia verdade. Evitamos o desastre completo, mas ainda assim experimentamos uma desaceleração econômica, uma queda prolongada no emprego que infligiu sérios danos humanos e econômicos, —e bem pode ter preparado o terreno para nossa atual crise constitucional. Por que a desaceleração durou tanto?

Há múltiplas respostas, mas o fator mais importante foi a política —a obstrução cínica conduzida com completa má fé pelo Partido Republicano.

Um ponto crucial, que em minha opinião ainda não é compreendido da maneira correta, é que, por mais assustadora e destrutiva que tenha sido, a crise financeira —o desordenamento dos mercados de crédito que se seguiu a o colapso do Lehman— foi bem curta. Os indicadores de estresse financeiro, que incluem coisas como o spread das taxas de juros sobre ativos de risco, dispararam por alguns meses mas rapidamente voltaram ao normal. O aspecto puramente financeiro da crise já tinha se resolvido pela metade de 2009.

Mas a crise econômica mais ampla perdurou por muito mais tempo. O desemprego subiu para perto de 10%, e depois caiu com lentidão dolorosa; só retornou aos 5% sete anos depois da quebra do Lehman. Por que a rápida recuperação financeira não conduziu a uma rápida recuperação econômica?

Em nível básico, a resposta é que a crise financeira foi apenas um sintoma de um problema maior: o colapso de uma gigantesca bolha na habitação. O estouro da bolha arrastou a economia para baixo, tanto por ter causado queda no investimento em moradia quanto porque representou um grande abalo no patrimônio domiciliar, o que reduziu o consumo.

O que a crise pedia, portanto, eram políticas que estimulassem o consumo, para compensar o efeito da contração no mercado residencial. Mas a resposta normal, reduzir as taxas de juros, não estava disponível, porque os juros já estavam perto do zero. O que precisávamos,  era de um estímulo fiscal: alta nos gastos do governo e cortes nos impostos das famílias de renda baixa e média, que provavelmente gastariam o dinheiro a mais que isso lhes valeria.

E de fato tivemos um estímulo substancial. Mas não foi o bastante e, o mais importante, não durou tanto quanto teria sido necessário. Em 2013, com o desemprego ainda acima dos 7%, os três níveis de governo americanos estavam oferecendo pouco mais sustentação à economia do que faziam em 2007, quando o boom residencial ainda corria forte.

Por que a resposta a uma economia deprimida foi insuficiente? Podemos debater infindavelmente se o governo teria conseguido aprovar um pacote mais longo de estímulo no Congresso. O que fica claro é que algumas das autoridades econômicas não viram a necessidade de políticas mais fortes. Quando Christina Romer, a principal assessora econômica da Casa Branca, pediu por mais estímulo, Tim Geithner, o secretário do Tesouro, descartou o pedido, definindo-o como "açúcar".

Além disso, os esforços para combater o desemprego precisavam enfrentar um bizarro consenso vigente em Washington de que, apesar do alto desemprego e das taxas de juro em recorde de baixa, a dívida, e não o emprego, era o verdadeiro problema do país.

Mas a verdadeira razão para que a desaceleração tenha durado tanto foi a oposição de terra arrasada dos republicanos a toda e qualquer coisa que ajudasse a compensar as consequências negativas da contração do mercado residencial.

Quando digo "terra arrasada", não é uma hipérbole. Não esqueçamos que, na metade de 2011, os republicanos do Congresso ameaçaram provocar uma nova crise financeira, ao recusar uma elevação do limite para as dívidas federais. O objetivo deles era chantagear o presidente Barack Obama e forçá-lo a cortar gastos, em um momento em que o desemprego continuava em 9% e os custos reais de captação dos Estados Unidos estavam perto de zero.

Os republicamos retratavam sua oposição a qualquer coisa que pudesse limitar o desemprego em massa como um profundo compromisso para  com a responsabilidade fiscal, é claro. Mas isso era a mais completa hipocrisia —o que ficava evidente para qualquer pessoa que estudasse as propostas orçamentárias do Partido Republicano, todas elas trapaceiras. É preciso ser altamente crédulo para levar a sério a suposta linha dura dos republicanos no combate ao déficit. Infelizmente, muitos dos sabichões da mídia americana são bem crédulos.

De qualquer forma, os acontecimentos dos dois últimos anos expuseram cristalinamente a realidade do que aconteceu. Os mesmos políticos que declaravam, piamente, que os Estados Unidos não podiam gastar dinheiro para sustentar o emprego, apesar de uma onda de desemprego grave e prolongada, aprovaram com rapidez obscena um corte de impostos para as empresas e para os ricos, que fez explodir o déficit, em um momento no qual a economia está perto do pleno emprego. Não, não é que eles tenham abandonado seu compromisso para com a responsabilidade fiscal. Na verdade, nunca ligaram para os déficits.

Assim, se você deseja compreender por que a grande desaceleração econômica iniciada em 2008 persistiu por tanto tempo, prejudicando as vidas de tantos americanos, a resposta está na política.

Especificamente, as políticas públicas fracassaram porque os republicanos, com cinismo e má-fé, estavam dispostos a sacrificar milhões de empregos em lugar de permitir que qualquer coisa de bom acontecesse na economia enquanto um democrata ocupasse a Casa Branca.

Tradução de PAULO MIGLIAC

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