Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Que diabos aconteceu com o Brasil?

Não estou falando da recente eleição, mas sobre macroeconomia

Acho que agora posso me afastar por algum tempo da crise política nos Estados Unidos para falar sobre os acontecimentos em outros lugares. Assim, que diabos aconteceu no Brasil?

Na verdade não estou falando da recente eleição, na qual os eleitores brasileiros escolheram alguém que parece ser literalmente fascista. Isso me horroriza como horroriza a todo mundo mais. Mas a verdade é que não tenho qualquer conhecimento sobre a política brasileira. Por outro lado, o pano de fundo para eleição foi a extraordinária crise econômica do Brasil em 2015 e 2016: um país que vinha em trajetória ascendente e parecia ter deixado para trás seu legado de instabilidade sofreu uma terrível recessão e está registrando recuperação muito lenta. E macroeconomia é um assunto sobre o qual supostamente sei alguma coisa.

Cédula de dinheiro brasileiro com moedas e cores da bandeira do Brasil
Brasil parece ter sido atingido por uma tempestade perfeita de má sorte e más políticas - Diego Herculano/Folhapress

O que aconteceu, então?

Surpreendentemente, não houve muita discussão internacional sobre a experiência brasileira, ainda que ela tenha sido severa e que o Brasil seja uma economia bem grande (o PIB do país, em termos de paridade de poder aquisitivo, é cerca de dez vezes maior que o da Grécia). Mas estávamos todos distraídos com a crise política no Ocidente –Trump, a saída britânica da União Europeia, etc. De qualquer forma, venho tentando montar uma história da crise brasileira, embora esteja bastante ciente de que posso estar desconsiderando aspectos importantes.

Em minha opinião, a situação é a seguinte: o Brasil parece ter sido atingido por uma tempestade perfeita de má sorte e más políticas, com três aspectos principais. Primeiro, o ambiente mundial se deteriorou acentuadamente, com uma queda forte nos preços para as commodities exportadas que continuam cruciais para a economia brasileira. Segundo, o consumo privado interno também despencou, talvez por conta de um acúmulo excessivo de dívidas. Terceiro, a política econômica, em lugar de combater a desaceleração, a exacerbou, ao adotar medidas de austeridade fiscal e aperto da política monetária no momento em que a economia entrava em queda.

Talvez a primeira coisa que precise ser dita sobre a crise brasileira é aquilo que ela não foi. Nas últimas décadas, as pessoas que acompanham a macroeconomia internacional mais ou menos se acostumaram a crises de "parada súbita", nas quais os investidores abandonam abruptamente um país que eles amaram muito, mas de modo insensato. Foi essa a história da crise do México em 1994-5, a da crise asiática de 1997-9, e, pelo menos em alguns aspectos importantes, a da crise do sul da Europa depois de 2009. Também é o que estamos vendo na Turquia e na Argentina agora.

Sabemos como essa história transcorre: o país atingido sofre uma depreciação cambial (ou, no caso dos países do euro, uma disparada nas taxas de juros). A desvalorização cambial usualmente gera estímulo para uma economia, ao tornar seus produtos mais competitivos nos mercados mundiais. Mas os países que sofrem parada súbita em geral têm dívidas pesadas em moeda estrangeira, e por isso a desvalorização devasta os balanços e causa queda severa na demanda interna. E as autoridades econômicas têm poucas opções razoáveis: elevar as taxas de juros para sustentar a moeda simplesmente abalaria a demanda de outra maneira.

Mas embora se pudesse presumir que o caso do Brasil foi parecido –o declínio de 9% que a renda per capita do país sofreu na crise se compara ao de outras crises de parada súbita no passado–, na verdade não foi isso que aconteceu. O fato é que o Brasil não tem muita dívida denominada em moeda estrangeira, e os efeitos do câmbio sobre os balanços não parecem ter desempenhado papel importante na história. O que aconteceu, então?

Para começar, o ambiente econômico internacional virou negativamente, e em escala considerável. O Brasil se diversificou um pouco, para a indústria, mas continua pesadamente dependente da exportação de commodities, cujos preços despencaram. Os termos de comércio internacional do Brasil –a relação entre os preços de exportação e os preços de importação– sofreu um grande baque.

Isso teria sido ruim por si só. Mas veio acompanhado por uma forte queda no consumo interno. Atif Mian e seus colegas de pesquisa nos dizem que isso está associado a uma alta nas dívidas domiciliares nos anos precedentes –ou seja, que o Brasil passou por algo mais parecido com a deflação de dívidas que os países avançados sofreram em 2008 do que com uma tradicional crise de mercado emergente.

O que realmente acabou com a economia brasileira, porém, foi a maneira pela qual o país reagiu a esses choques: com políticas fiscais e monetárias que agravaram muito as coisas.

Do lado fiscal: o Brasil tem problemas de solvência em longo prazo. Mas resolvê-los requer soluções de longo prazo. O que aconteceu em lugar disso foi que o governo Rousseff decidiu impor fortes cortes de gastos no meio de uma desaceleração econômica. O que eles estavam pensando? É incrível, mas eles parecem ter aceitado a teoria da austeridade expansiva.

E além disso, a política monetária também se tornou fortemente contrativa, com alta forte nas taxas de juros. A que isso poderia servir?

Minha melhor hipótese é a de que o real se desvalorizou principalmente por conta do choque nos termos de comércio, causando uma alta temporária da inflação. E o banco central entrou em pânico, e se fixou na questão da inflação, em detrimento da economia real. Agora que a alta de preços causada pela mudança no panorama cambial acabou, a inflação na verdade está baixa, pelos padrões históricos do país, mas o estrago já foi causado.

É uma história notável, e deprimente. E essa combinação de má sorte e más políticas certamente desempenhou um papel no desastre político que se seguiu.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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