Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Partido Republicano abraça o autoritarismo

Enquanto os republicanos estiverem dispostos a fazer tudo pelo poder, estaremos próximos de perder a democracia nos EUA

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Na verdade, Donald Trump parece ter sido a melhor coisa que poderia ter acontecido para a democracia dos Estados Unidos.

Não, não enlouqueci. O indivíduo-1 é claramente um aspirante a ditador que despreza o Estado de Direito, para não mencionar sua corrupção e a probabilidade de que esteja sob o controle de potências estrangeiras. Mas ele também é preguiçoso, indisciplinado, interessado apenas em si mesmo e inepto. E já que a ameaça à democracia é muito maior e mais profunda do que qualquer indivíduo poderia representar, na verdade é uma sorte que as forças que ameaçam os Estados Unidos tenham um homem tão ridículo à sua frente.

Mas essas forças ainda assim poderão prevalecer.

Se você quer compreender o que está acontecendo em nosso país, o livro que realmente precisa ler é "How Democracies Die" [Como as Democracias Morrem], de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Como apontam os autores, professores de administração pública na Universidade Harvard, nas últimas décadas diversas nações nominalmente democráticas na prática se tornaram Estados autoritários de partido único. No entanto, nenhuma delas passou por um golpe militar clássico, com tanques nas ruas.

O que vimos em lugar disso foram golpes em forma mais sutil –tomada de controle ou intimidação da mídia noticiosa, eleições manipuladas que subtraem o direito de voto dos oposicionistas, novas regras que conferem ao partido governante um grau esmagador de controle mesmo que ele saia derrotado no voto popular, tribunais corruptos.

O exemplo clássico é a Hungria, onde o partido Fidesz, formado por nacionalistas brancos, governa o país e na prática tomou o controle de boa parte da mídia; destruiu a independência do Judiciário; manipulou eleições para favorecer seus partidários e prejudicar a oposição; alterou o traçado de distritos eleitorais para beneficiar seus candidatos; e mudou as regras de forma a que uma minoria do voto popular se traduza em maioria qualificada no Legislativo.

Boa parte disso lhe parece familiar? Deveria. O fato é que os republicanos vêm adotando táticas semelhantes nos Estados Unidos –não em nível federal (ainda), mas nos estados que controlam.

Como afirmam Levitsky e Ziblatt, os estados, que o juiz Louis Brandeis famosamente definiu como os laboratórios da democracia, estão "em perigo de se tornar laboratórios do autoritarismo, com aqueles que detêm o poder reescrevendo as regras eleitorais, redesenhando os distritos e mesmo rescindindo direitos de voto para garantir que não sejam derrotados".

Assim, expurgos de eleitores e restrição deliberada ao acesso das minorias às urnas se tornaram práticas comuns em boa parte dos Estados Unidos. Brian Kemp, o governador eleito da Geórgia, que fiscalizou sua própria eleição em sua função como secretário de Estado do governador que substituirá, teria conseguido vencer sem essas táticas? Quase certamente não.

E o Partido Republicano recorreu a manipulação extrema do traçado dos distritos eleitorais. Algumas pessoas se reconfortaram com o fato de que a vitória esmagadora dos democratas no voto popular para a Câmara dos Deputados se traduziu em uma maioria comparável no número de assentos detidos pelo partido. Mas você se sentiria bem menos reconfortado ao ver o que aconteceu nas eleições em nível estadual, nas quais os números do voto popular em muitos casos não foram refletidos na composição dos legislativos.

Vamos falar, especialmente, do que vem acontecendo em Wisconsin.

A imprensa vem cobrindo regularmente as manobras escusas dos republicanos para roubar o poder no Wisconsin. Depois de sofrer derrotas nas eleições para todos os postos estaduais que estavam em jogo na eleição do mês passado, a assembleia estadual controlada pelos republicanos, em fim de mandato, está usando seus poderes restantes a fim de reduzir os poderes dos cargos para os quais o partido sofreu derrotas, o que na prática manterá o controle do Estado nas mãos do Legislativo, onde os republicanos têm maioria.

O que não foi alvo de tamanha atenção é que o controle mesmo dos republicanos sobre o Legislativo não é democrático. No mês passado, candidatos democratas receberam 54% dos votos nas eleições para o Legislativo estadual –mas ficaram com apenas 37% dos assentos.

Em outras palavras, o Wisconsin está se transformando na Hungria dos Grandes Lagos –um estado que realiza eleições mas no qual as eleições não importam porque o partido dominante mantém o poder, não importando o que os eleitores façam.

E eis o problema: até onde sei, nenhum republicano importante em Washington condenou a tentativa de roubar o poder no Wisconsin, manobras semelhantes no Michigan, ou a fraude eleitoral escancarada que parece ter acontecido na Carolina do Norte. Os republicanos eleitos não só parecem cada vez mais compartilhar dos valores de partidos nacionalistas brancos como o Fidesz ou o Lei e Justiça, na Polônia, como também parecem compartilhar de seu desprezo pela democracia. O Partido Republicano é um partido autoritário à espera de uma oportunidade para tomar o poder.

É por isso que deveríamos ser gratos a Trump. Se ele não fosse tão absurdamente horrível, os democratas poderiam ter vencido o voto popular na Câmara dos Deputados por apenas quatro ou cinco pontos percentuais, e não por 8,6%. E nesse caso caso os republicanos poderiam ter mantido o controle da Câmara –e estaríamos a meio caminho do governo permanente por um só partido. Em lugar disso, estamos a caminho de um período de governo dividido, no qual o partido oposicionista tem o poder de bloquear projetos de lei e, o que talvez seja mais importante, a capacidade de conduzir investigações formais, e poder de intimação para obter depoimentos e informações sobre os delitos do governo Trump.

Mas isso é só um período de repouso. Pois, não importa o que venha a acontecer com Trump, seu partido deu as costas à democracia. E isso deveria nos causar muito medo.

O fato é que o Partido Republicano, em sua forma atual, está disposto a fazer o que quer que seja para conquistar e reter o poder. E enquanto isso continuar a ser verdade, e os republicamos continuarem a ser competitivos politicamente, estaremos a uma eleição de distância de perder a democracia nos Estados Unidos.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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