Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

A calúnia da Venezuela

Invocar a crise no país para desconsiderar propostas políticas progressistas é desonesto

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Que tristeza, Michael Bloomberg. Você não é o homem que eu imaginava.

Na terça-feira, quando perguntado sobre a proposta (muito inteligente) de Elizabeth Warren para um imposto sobre a riqueza, o ex-prefeito de Nova York respondeu com a calúnia preferida da direita no momento, e disse que o plano dela transformaria os Estados Unidos em uma Venezuela.

É uma linha vergonhosa de argumentação. Na verdade, sempre que você vê alguém invocar a Venezuela como razão para desconsiderar propostas políticas progressistas, sabe de imediato que a pessoa em questão é desinformada, desonesta —ou as duas coisas. Recorrer a esse argumento basicamente demonstra que o escritor ou palestrante não está disposto a se envolver em uma discussão séria, e prefere assustar as pessoas invocando uma assombração da qual nada sabe.

O que aprendemos com a experiência da Venezuela, afinal? Sim, a situação do país é caótica. A Venezuela sempre foi uma economia de um só setor, com grande desigualdade. Hugo Chávez chegou ao poder por conta da raiva contra a elite do país, mas usou mal esse poder. Tomou o controle do setor petroleiro, o que só deve ser feito caso seja possível administrá-lo de maneira honesta e eficiente; em lugar disso, Chávez o entregou aos seus asseclas corruptos, que degradaram seu desempenho. Em seguida, quando os preços do petróleo despencaram, o sucessor dele tentou encobrir a perda de renda imprimindo dinheiro. Foi como surgiu a crise.

É uma história ruim, e que tem precedentes. O "populismo macroeconômico" tem um longo histórico na América Latina, e seus resultados são usualmente negativos.

Mas o que, exatamente, qualquer uma dessas coisas têm a ver com as propostas políticas de Elizabeth Warren, ou Kamala Harris, ou mesmo com as de uma radical genuína como Alexandria Ocasio-Cortez? Há alguém na política americana, mesmo as pessoas que se definem como socialistas, que esteja propondo a estatização de boa parte do setor privado? Há alguma coisa no histórico dos progressistas dos Estados Unidos que sugira que eles são menos responsáveis em termos fiscais do que as pessoas que usam vodu econômico para promover cortes imensos de impostos em benefício dos ricos?

Observe o conteúdo real da proposta de Warren e você verá Teddy Roosevelt, não Hugo Chávez. O apelo de Harris por um sistema universal de saúde bancado pelo governo nos colocaria na mesma categoria de infernos socialistas como... o Canadá. Ocasio-Cortez sugeriu alíquotas para os impostos de renda dos muito ricos que ninguém defende —exceto especialistas em finanças públicas premiados com o Nobel—, e que jamais foram aplicadas em qualquer país —exceto os Estados Unidos, durante todo o seu grande boom do pós-guerra.

Talvez você discorde de todas essas ideias de política pública. Mas se a sua primeira resposta é literalmente gritar "Venezuela", estará demonstrando tanto falta de escrúpulos quanto falta de argumentos sérios para defender sua posição.

No caso de Bloomberg, podemos ter a esperança de que isso tenha sido um lapso momentâneo, causado por dedicar tempo demais a conversas com outros bilionários e com pessoas que que se dedicam a satisfazê-los. Mas daqui por diante, eis minha regra: quem quer que tente usar a Venezuela como arma no debate político dos Estados Unidos não merece fazer parte desse debate.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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