Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Donald Trump está tentando te matar

Confie nos suinocultores; tenha medo das turbinas eólicas

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Há muita coisa que não sabemos sobre o legado que Donald Trump deixará. E o que acontecerá na eleição de 2020 é com certeza muito importante. Mas uma coisa parece certa: mesmo que cumpra apenas um mandato como presidente, Trump terá causado, direta ou indiretamente, a morte prematura de grande número de americanos.

Algumas dessas mortes acontecerão por obra de extremistas de direita e nacionalistas brancos, que estão se tornando uma ameaça cada vez mais seria, em parte porque se sentem estimulados por um presidente que os define como pessoas muito boas.

Algumas acontecerão por falhas do governo, como sua resposta inadequada ao furacão Maria, que certamente contribuiu para o grande número de mortes que a tempestade causou em Porto Rico. (Cabe o lembrete: os porto-riquenhos são cidadãos dos Estados Unidos.)

Presidente dos EUA, Donald Trump
Presidente dos EUA, Donald Trump - Kevin Lamarque/Reuters

Algumas virão dos esforços continuados do governo para sabotar o Obamacare, que não foram suficientes para matar a reforma da saúde mas impediram que o número de pessoas desprovidas de cobertura continuasse a cair, o que significa que muita gente continua a não receber os cuidados médicos de que necessita. É claro que, se Trump conseguir o que quer e eliminar o Obamacare completamente, as coisas ficarão muito, muito piores, nessa frente.

Mas o maior número de mortes certamente será causado pela agenda de desregulamentação de Trump –ou talvez devêssemos escrever "desregulamentação", porque o governo dele é curiosamente seletivo quanto aos setores que deseja isentar de fiscalização.

Considerem dois acontecimentos recentes que ajudam a retratar a estranheza mortífera do que está acontecendo.

Um é o plano do governo para que as instalações de processamento de carne de porco assumam boa parte das responsabilidades federais pelas inspeções de segurança na alimentação. E por que não? Não é como se alguma vez já tivéssemos enfrentando algum problema causado pela autorregulamentação, digamos, da indústria aeronáutica. Ou que o país tenha algum dia enfrentado grandes surtos de doenças transmitidas por alimentos contaminados. Ou como se tivesse existido alguma razão para que o governo dos Estados Unidos tenha decidido regulamentar a indústria do processamento de carne, para começar.

É possível entender a disposição do governo Trump de permitir que as empresas de processamento de carne cuidem da segurança de nossos alimentos como parte de um ataque mais amplo à regulamentação governamental, ou como uma disposição de permitir que as empresas com fins lucrativos façam a coisa certa, e que o mercado domine. E a afirmação procede, em parte, mas não cobre a história toda, como outro acontecimento ilustra: a declaração por Trump, um dia desses, de que turbinas eólicas podem causar câncer.

Seria fácil atribuir a declaração à insanidade mental do presidente: Trump tem um ódio irracional da energia eólica desde que fracassou em impedir a construção de uma central eólica perto de seu campo de golfe na Escócia. E Trump soa demente e irracional quanto a tantas questões que uma declaração bizarra a mais mal parece importar.

Mas a questão vai além de um novo exemplo de "trumpismo". Afinal, costumamos pensar nos republicanos em geral, e em Trump especificamente, como pessoas que minimizam ou negam as "externalidades negativas" impostas por algumas atividades de negócios –os custos não compensados que essas atividades impõem a outras pessoas ou empresas.

Por exemplo, o governo Trump quer retirar as regras que limitam as emissões de mercúrio pelas usinas de energia. E em busca desse objetivo, quer impedir que a EPA (Agência de Proteção Ambiental) considere os muitos benefícios oferecidos pela redução nas emissões de mercúrio, como a redução associada na presença de óxido de nitrogênio.

Mas quando o assunto é a energia renovável, Trump e companhia subitamente passam a se preocupar muito com os supostos efeitos colaterais negativos, que em geral existem apenas em sua imaginação. No ano passado, o governo apresentou uma proposta que teria forçado os operadores de redes de energia a subsidiar as usinas acionadas a carvão e a energia nuclear. O suposto motivo era que as novas fontes de energia ameaçavam desestabilizar as redes –mas os operadores das redes mesmos negam que isso aconteça.

Assim, temos desregulamentação para alguns mas alertas ameaçadores sobre ameaças imaginárias para outros. O que está acontecendo?

Quem quiser uma resposta precisa seguir o dinheiro. As contribuições políticas do setor de processamento de carne favorecem candidatos republicanos por maioria esmagadora. O setor de mineração de carvão apoia o Partido Republicano quase exclusivamente. A energia alternativa, por outro lado, em geral favorece os democratas.

É provável que haja outros fatores em jogo, igualmente. Se você é membro de um partido que deseja que o país volte à década de 1950 (mas sem a alíquota de 91% no imposto de renda dos mais ricos), será difícil aceitar a realidade de que que coisas hippies e nada másculas como a energia solar e a energia eólica estão se tornando cada vez mais competitivas em termos de custos.

Não importa o que sirva de força motora às políticas de Trump, o fato, como eu disse, é que elas matarão pessoas. Turbinas eólicas não causam câncer, mas usinas de energia acionadas a carvão sim –além de causarem muitas outras doenças.

As estimativas do governo Trump indicam que relaxar as regras de poluição quanto ao carvão causará mais de mil mortes adicionais por ano nos Estados Unidos. Se o governo conseguir implementar sua agenda –não só a desregulamentação de muitos setores mas discriminação contra setores de que não gosta, como o de energia renovável–, o custo em vidas será muito mais alto.

Assim, se você come carne –ou, aliás, se bebe água ou respira ar–, é lícito sentir que Donald Trump está tentando te matar. E mesmo que ele seja expulso do cargo no ano que vem, para muitos americanos será tarde demais.
 
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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