Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Os republicanos realmente odeiam o sistema de saúde

Eles deixaram o cinismo de lado e partiram para a patologia

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Das questões políticas que nos dividem, o sistema de saúde é a que tem mais impacto sobre as vidas dos americanos comuns. Se os democratas não tivessem conseguido aprovar a Lei do Acesso à Saúde, cerca de 20 milhões de americanos a menos disporiam de planos de saúde do que é o caso agora.

Se os estados controlados pelos republicanos não tivessem se recusado a expandir o programa de saúde Medicaid e se eles não tivessem feito apenas o mínimo obrigatório para facilitar a implementação da lei, o progresso do sistema de saúde no país como um todo poderia ter acompanhado o sucesso registrado, por exemplo, na Califórnia —ou seja, outros sete milhões ou oito milhões de pessoas poderiam dispor de cobertura, hoje.

Você obviamente sabe qual é minha posição quanto a essa diferença política. Mas começo a acreditar que julguei erroneamente as motivações dos republicanos.

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Pessoas fazem manifestação em frente ao Capitólio, em Washington, em defesa do Obamacare - Alex Wong/Getty Images/AFP

O fato é que eu acreditava que esse comportamento tivesse motivos cínicos e estratégicos. Eles se opunham ao Obamacare porque imaginavam que havia vantagens políticas a extrair ao assustar as pessoas quanto à mudança, e também em negar qualquer sucesso a Obama.

As pessoas que doam dinheiro para as campanhas políticas republicanas realmente odeiam os impostos sobre os ricos que bancam os subsídios da Lei de Acesso à Saúde. Além disso, pelo menos até 2016, eles podiam manter a esperança de convencer os eleitores de que tinham um plano secreto para algo muito melhor que o Obamacare.

E todas essas coisas na verdade influenciaram a estratégia do Partido Republicano quanto à saúde. Mas a esta altura, eles claramente saíram derrotados da discussão política. Em 2017, as tentativas republicanas de revogar o Obamacare deixaram claro para todos que o partido não tinha ideias melhores a oferecer, e nunca o fez; tudo aquilo que eles propuseram teria devastado as vidas de milhões de pessoas.

Em seguida, a questão da saúde se tornou o principal tema da eleição legislativa de 2018, e três em cada quatro dos eleitores que a viam dessa maneira optaram por votar nos democratas.

Assim, seria de esperar que os republicanos buscassem reduzir o prejuízo. Talvez Trump pudesse fazer quanto à saúde o mesmo que fez com o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) —manter o Obamacare basicamente intacto mas fazer algumas mudanças e dar um novo nome ao sistema — o Plano Bacana para a Grandeza da América, ou algo assim— , afirmando que a nova versão era completamente diferente e muito melhor.

Mas não. A maioria dos estados controlados pelos republicanos continua a se recusar a expandir o Medicaid, ainda que o a maioria dos custos envolvidos na expansão caiba ao governo federal. O Utah realizou um referendo direto sobre a expansão do Medicaid, e a proposta foi aprovada com facilidade, o que deixa bem clara a vontade dos eleitores, mesmo em um estado altamente conservador. Mas os legisladores republicanos mesmo assim continuam bloqueando a expansão.

E agora o governo Trump, tendo fracassado em revogar a Lei de Acesso à Saúde quando os republicanos controlavam o Congresso, está recorrendo à Justiça para conseguir que a coisa toda seja declarada inconstitucional pelos tribunais —porque isso seria uma maneira melhor de começar a campanha de 2020 do que remover a cobertura de saúde de 20 milhões de americanos.

Vale lembrar que essa mais recente decisão de Trump completa sua traição absoluta às pessoas que o levaram ao cargo. Considere um estado como a Virgínia Ocidental, onde muita gente passou a contar com cobertura de saúde graças à expansão do Medicaid ordenada por Obama. O estado mesmo assim votou em Trump por maioria esmagadora, porque ele prometeu que não haveria cortes na saúde e prometeu também recriar todos aqueles bons empregos no setor de carvão.

O ponto é que já não é possível ver qualquer uma dessas coisas como parte de uma estratégia política inteligente, mesmo que malevolamente cínica. A situação ingressou no terreno da patologia, em lugar disso. Fica claro, agora, que os republicamos simplesmente sentem um ódio profundo e irracional pela ideia de que políticas do governo possam ajudar algumas pessoas a obter cobertura de saúde.

Por quê? A verdade é que não consigo entender completamente. Talvez seja raiva de que algumas pessoas recebam algo que não fizeram por merecer - ressalvadas, claro, as heranças recebidas de papais ricos. Talvez seja a sensação de que muito sofrimento é ou deveria ser parte da condição humana, do plano de Deus, ou sabe lá. Tento compreender como os outros pensam, mas nesse caso é realmente difícil.

Qualquer que seja a razão, porém, o fato é que, não importa o que afirmem, os republicanos atuais odeiam a ideia de que os americanos pobres e de classe trabalhadora recebam os serviços de saúde de que precisam.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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