Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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A 'trumpificação' do Federal Reserve

Quer gostemos, quer não, próximo lance do banco central pode ser político

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No final de 2015, o então candidato Donald Trump acusou Janet Yellen, chairwoman do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, de ser parte de uma conspiração política. Ele insistiu em que Yellen estava mantendo taxas de juros injustificadamente baixas em uma tentativa de ajudar Hillary Clinton a conquistar a presidência.

A verdade é que existiam ótimas razões para que o Fed mantivesse baixas as taxas de juros, na época. Alguns indicadores sobre o mercado de trabalho, especialmente o nível de emprego entre as pessoas em idade plena de trabalho, continuavam abaixo do nível pré-crise, e o investimento das empresas estava passando por um desaceleração significativa - uma espécie de minirrecessão.

Vejamos a situação hoje. O quadro do emprego é muito mais forte do que era na época. Há sinais de uma desaceleração econômica, em parte por conta da incerteza criada pela guerra comercial de Trump, mas eles são muito mais fracos do que os que existiam em 2015-2016. E Trump mesmo não para de se vangloriar sobre a força da economia.

E ainda assim ele vem pressionando o Fed abertamente por um corte nos juros, e aparentemente buscando maneiras de demover Jay Powell, o sujeito que ele mesmo escolheu como substituto de Yellen - depois de se recusar a indicá-la para um segundo mandato porque a achava baixinha demais para o posto, de acordo com algumas fontes.

Mas calma lá: Embora existam indícios de desaceleração aqui, como eu disse, na Europa, onde a produção industrial está caindo e a preocupação com a recessão vem crescendo, eles são muito mais fortes. Mas ao mesmo tempo em que tenta intimidar o Fed por um corte nos juros, Trump se enfureceu diante de reportagens de que o Banco Central Europeu (BCE), a contraparte europeia do Fed, também estava considerando cortes dos juros, o que enfraqueceria o euro e tornaria a indústria dos Estados Unidos menos competitiva.

Se essas diversas posições lhe parecem incoerentes, é porque você não está pensando sobre elas da maneira correta. O princípio comum é simples: a política monetária deveria ser aquela que melhor serve aos interesses de Donald Trump. Nada mais importa.

E a raiva atual de Trump quanto ao Fed deve ser compreendida principalmente como expressão de frustração ante o fracasso do corte de impostos de 2017.

Sim, o corte deu um estímulo à economia, como seria de esperar diante de políticas que ampliaram para US$400 bilhões ao ano o déficit orçamentário, em uma situação de pleno emprego. (Imagine que cara teria a economia no governo Obama se o Congresso tivesse permitido que o presidente gastasse US$ 400 bilhões ao ano, por exemplo com a infraestrutura.) Mas foi um estímulo muito modesto, se pensarmos bem, e boa parte dos frutos do corte de impostos foram destinados pelas empresas à recompra de ações.

O mais importante é que o corte de impostos foi um fiasco político. Trump não está recebendo muito crédito pelos bons números da economia, e uma pluralidade de eleitores brancos da classe trabalhadora, dos quais o comandante em chefe do Twitter depende, aceita (corretamente) que as políticas adotadas pelo presidente beneficiam principalmente pessoas mais ricas do que eles.

Assim, Trump está basicamente exigindo que o Fed o resgate das consequências de seus fracassos de política econômica. E se essa fosse toda a história, a resposta apropriada seria uma versão polida de "vá para o inferno", em burocratês.

Mas Trump e seus chiliques não são a história toda. É de fato possível argumentar que o Fed talvez tenha elevado as taxas de juros rápido demais entre 2015 e 2019 - ou seja, subestimado a capacidade ociosa que restava na economia dos Estados Unidos e superestimado sua força subjacente (algo que o banco central não se cansa de fazer nos últimos 10 anos).

E, com isso, existe um argumento favorável a reverter parcialmente as altas recentes nas taxas de juros do Fed, e por um corte nos juros, hoje, como seguro contra uma futura desaceleração - ou seja, um argumento em favor de antecipar a tendência. Donald Trump é a pior pessoa possível para propor essa ideia, mas isso não significa que o argumento esteja errado.

Assim, o que o Fed deveria fazer?

Os dirigentes de bancos centrais, como aqueles que comandam o Fed, tentam se retratar como tecnocratas apolíticos. Isso jamais é totalmente verdade, na prática, mas é um ideal a que eles devem aspirar. Graças a Trump, porém, qualquer coisa que o Fed venha a fazer agora será vista como altamente política. Se as taxas de juros forem cortadas a despeito do baixo desemprego, isso será visto como um abandono da autonomia do banco central e uma autorização para que Trump dite a política monetária. Se não forem, Trump pressionará ainda mais.

E se eu fosse Powell, estaria preocupado com um cenário ainda pior. Suponha que o Fed corte as taxas de juros e o crescimento e a inflação terminem por ser mais altos que o esperado. A política monetária convencional então ditaria uma reversão do corte de juros - e logo antes da eleição presidencial de 2020. A tempestade política que isso causaria seria terrível.

Lamento, mas nos Estados Unidos de Trump, nenhuma instituição pode ignorar as ramificações políticas de suas ações, no mínimo porque essas ramificações afetarão sua capacidade de realizar seu trabalho no futuro.

O que isso significa para a política monetária, creio, é que embora a economia pura e simples dite que o Fed deveria tentar se antecipar às tendências, a armadilha política que Trump criou dispõe que a instituição espere para ver, insista em que suas políticas "dependem de dados", e com isso espere por provas de uma séria desaceleração antes de agir.

Isso pode significar que se o Fed de fato cortar as taxas de juros, o estímulo que isso daria à economia (e ele não seria muito forte, porque as taxas já estão baixas), chegaria tarde demais para ajudar Trump na eleição de 2020. E se isso acontecer, Trump poderá culpar só a si mesmo.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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