Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

O homem do déficit e a eleição de 2020

Se não tivermos uma recessão, o desemprego continuará baixo; mas o crescimento econômico provavelmente será chocho

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Muita gente diz que que a eleição de 2020 servirá como uma espécie de teste: será que um presidente suficientemente horrível pode perder uma eleição mesmo que a economia vá bem? E esse seria de fato o teste que estaríamos realizando se a eleição acontecesse amanhã.

De um lado, Donald Trump não perde a oportunidade de nos lembrar o quanto ele é horrendo. Sua mais recente incursão ao racismo escancarado delicia sua base mas causa repulsa a todo mundo mais. Por outro lado, ele está presidindo a uma economia em que o desemprego é muito baixo e o PIB real cresceu em 3,2% nos últimos 12 meses.

Mas a eleição não será amanhã, e sim daqui a 15 exaustivos meses. O caráter de Trump não vai mudar, a não ser para pior. Mas a economia pode parecer muito diferente.

Vamos falar sobre a economia de Trump, portanto.

A primeira coisa que é preciso saber é que o corte de impostos de Trump causou alta imensa no déficit orçamentário, que o governo antecipa deva atingir US$ 1 trilhão este ano, ante US$ 600 bilhões em 2016.

Esse maremoto de dívidas é ainda mais extraordinário do que parece se considerarmos que ocorreu em um momento de queda no desemprego, que em geral conduz a quedas no déficit.

Estranhamente, nenhum dos republicanos que alertaram à nação sobre o apocalipse de dívidas que estavam sendo criadas pelo presidente Barack Obama protestou contra os déficits de Trump. (Será que devemos considerar Paul Ryan como desaparecido?) Na verdade, até mesmo os centristas que pareciam obcecados com a dívida federal nos anos Obama estão mantendo o silêncio. Fica evidente que déficits só importam quando há um democrata na Casa Branca.

Oh, e a crise fiscal iminente para a qual figuras como Erskine Bowles costumavam alertar continua a não acontecer. As taxas de juros de longo prazo continuam baixíssimas.

Os indícios quanto aos efeitos dos gastos públicos que resultam em déficits são muito claros: eles dão à economia uma injeção de ânimo curta, mesmo que ela esteja perto do pleno emprego. O estímulo ao crescimento na era Trump foi, se alguma coisa, inferior ao esperado dado o tamanho do déficit adicional, talvez porque o corte de impostos tenha sido muito mal projetado, talvez porque as guerras comerciais de Trump estejam desestimulando o investimento pelas empresas.

Por enquanto, porém, o Homem Déficit está derrotando o Homem Tarifa. Como eu disse, tivemos bom crescimento nos últimos 12 meses.

Mas o corte de impostos deveria ser mais que um estímulo keynesiano de curto prazo. Ele foi alardeado como algo que melhoraria muito o desempenho econômico em longo prazo; o corte nas alíquotas dos impostos empresariais, especialmente, deveria conduzir a um grande pico no investimento das empresas e, com isso, a salários sensivelmente mais altos. E essa alta no crescimento em longo prazo levaria, entre outras coisas, a um boom na arrecadação tributária, o que compensaria o custo inicial da redução de impostos.

Nada disso está acontecendo. As grandes empresas ganharam o direito de reter parte muito maior de seus lucros, mas estão usando o dinheiro para recomprar ações, não para elevar seu investimento. Os salários estão crescendo, mas não em ritmo extraordinário, e muitos americanos não sentem estar desfrutando dos benefícios de uma economia em crescimento.

E provavelmente isso é o melhor que teremos.

Não prevejo uma recessão. Ela poderia acontecer, e estamos muito mal posicionados para responder caso aconteça, mas a história mais provável seria a de uma desaceleração, quando os efeitos do corte de impostos se dissiparem. Na verdade, se você confia nos "nowcasters" (economistas que tentam avaliar rapidamente o direcionamento da economia com base em dados parciais), essa desaceleração já está acontecendo. Por exemplo, o Federal Reserve de Nova York acredita que o crescimento da economia tenha caído para 1,5% anual no segundo trimestre.

E é difícil ver de onde mais poderíamos obter um estímulo econômico. Com os democratas no controle da Câmara dos Deputados, não haverá um novo corte de impostos. O Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos pode cortar as taxas de juros, mas esses cortes já foram, incorporados aos juros de longo prazo, que são o que importa para o gasto público; e a economia parece estar se desacelerando, de qualquer forma.

O que nos reconduz à eleição de 2020.

Cientistas políticos já conduziram muitos estudos de impacto eleitoral da economia e, até onde sei, todos eles concordam em que o que importa é a tendência, não o nível. O índice de desemprego era superior a 7% quando Ronald Reagan conquistou sua grande vitória em 1984, e era de 7,7% quando Obama venceu em 2012. Nos dois casos, porém, as coisas estavam claramente melhorando.

Provavelmente não será essa a história, no ano que vem. Se não tivermos uma recessão, o desemprego continuará baixo. Mas o crescimento econômico provavelmente será chocho, na melhor das hipóteses. O que significa que, se o passado serve como guia, a economia não beneficiará Trump fortemente, e será mais ou menos um fator neutro. Por outro lado, Trump continuará a ser horrendo.

Os republicanos certamente retratarão o indicado do Partido Democrata —quem quer que seja— como um socialista radical pronto a abrir as fronteiras a hordas de estupradores de pele parda. E é preciso admitir que essa estratégia poderia funcionar, embora não o tenha feito na eleição legislativa de 2018. Para ser honesto, me preocupo mais com os efeitos do sexismo se uma mulher for escolhida —não só o sexismo dos eleitores, mas o da mídia noticiosa, que submete as mulheres a padrões distintos.

Mas pelo menos no que tange à economia, a probabilidade é de que o estímulo bancado por déficit criado por Trump tenha chegado cedo demais para beneficiá-lo politicamente.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci 

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