Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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China tenta ensinar economia a Trump

Chineses ainda não empregaram todos os instrumentos para compensar as ações de Trump

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Se você deseja compreender a guerra comercial que está se desenvolvendo com a China, a primeira coisa que precisa perceber é que coisa alguma do que Donald Trump vem fazendo faz sentido. Suas posições sobre comércio internacional são incoerentes. Suas demandas são incompreensíveis. E ele superestima imensamente sua capacidade de infligir danos à China, enquanto subestima a capacidade dos chineses em causar danos em represália.

A segunda coisa que você precisa perceber é que a resposta da China até agora foi razoavelmente modesta e ponderada, ao menos levando em conta a situação. Os Estados Unidos implementaram ou anunciaram tarifas sobre virtualmente tudo que a China vende a nós, com alíquotas tarifárias médias vistas pela última vez há décadas.

Os chineses, em contraste, ainda nem de longe empregaram todos os instrumentos de que dispõem para compensar as ações de Trump e prejudicar sua base política.

Por que os chifneses não contra-atacaram com toda a força? Parece-me que eles ainda estão tentando dar uma aula de Economia a Trump. O que eles vêm dizendo por meio de suas ações é, na prática, que "você acha que pode nos intimidar. Mas não pode. Já nós, de nosso lado, podemos arruinar seus agricultores e causar o colapso de seu mercado de ações. Quer reconsiderar?"

No entanto, não existe indicação de que essa mensagem esteja sendo compreendida. Em lugar disso, a cada vez que os chineses fazem uma pausa e dão a Trump a oportunidade de repensar, ele entende a manobra como confirmação do que está fazendo, e pressiona ainda mais forte.

O que isso sugere, por sua vez, é que mais cedo ou mais tarde os disparos de advertência vão se transformar em uma guerra comercial e cambial aberta.

Sobre as posições de Trump: sua incoerência fica exposta praticamente todos os dias, mas um de seus tuítes recentes serve como perfeita ilustração. Lembre-se de que Trump vem se queixando sem parar sobre a força do dólar, que segundo ele coloca o Estados Unidos em desvantagem competitiva.

Na segunda-feira (5), ele ordenou que o Departamento do Tesouro declarasse que a China manipula as taxas de câmbio, o que era verdade sete ou oito anos atrás mas deixou de ser. E no entanto, apenas um dia depois ele escreveu triunfantemente que "imensas quantias de dinheiro da China e outras partes do mundo estão chegando aos Estados Unidos", o que ele declarou ser "uma coisa bonita de se ver".

Uhn, o que acontece quando "imensas quantias em dinheiro" entram em seu país? Sua taxa de câmbio sobe, o que é exatamente aquilo de que Trump está se queixando. E se muito dinheiro estiver saindo da China, o yuan deveria estar despencando, e não registrando o declínio trivial (2%) que o Departamento do Tesouro condenou.

Oh, bem, imagino que a aritmética seja uma trapaça perpetrada pelo Estado profundo.

 

Ainda assim, mesmo que Trump não esteja fazendo sentido, será que a China mesmo assim cederá às suas demandas? A resposta resumida é "que demandas?" Trump parece irritado principalmente pelo superávit no comércio entre a China e os Estados Unidos, que têm múltiplas causas e na verdade não está sob o controle do governo chinês.

Outras pessoas em seu governo parecem preocupadas com o avanço da China nos setores de alta tecnologia, que pode de fato ameaçar o domínio dos Estados Unidos. Mas a China é tanto uma superpotência econômica quanto um país relativamente pobre, comparada aos Estados Unidos; é imensamente irrealista imaginar que um país como esse possa ser forçado a moderar suas ambições tecnológicas por meio de intimidação.

Os Estados Unidos são um grande mercado para os produtos chineses, é claro, e a China compra relativamente pouco em retorno, e assim o efeito adverso direto de uma guerra tarifária é maior sobre a China. Mas é importante ter um senso de escala.

A China não é como o México, que envia 80% de suas exportações os Estados Unidos; a economia chinesa depende menos do comércio internacional do que as economias de países menores, e menos de um quinto de suas exportações se destinam aos Estados Unidos.

Assim, embora as tarifas de Trump certamente prejudiquem os chineses, Pequim está bem posicionada para compensar seus efeitos. A China pode reforçar o consumo interno por meio de medidas de estímulo fiscal e monetário; pode reforçar suas exportações, ao mundo e aos Estados Unidos, permitindo que o yuan caia.

Ao mesmo tempo, a China pode causar dor, se decidir agir. Pode comprar soja de outros países, prejudicando os agricultores dos Estados Unidos. Como vimos esta semana, até mesmo uma desvalorização essencialmente simbólica do yuan é capaz de causar queda nas ações dos Estados Unidos.

E a capacidade dos Estados Unidos para reagir a essas ações é prejudicada por uma combinação de fatores técnicos e políticos. O Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, pode cortar os juros, mas não muito, porque eles já estão muito baixos. Podemos adotar um estímulo fiscal, mas, tendo forçado um corte de impostos favorável aos plutocratas em 2017, Trump teria de fazer concessões reais aos democratas para conseguir qualquer coisa mais - e é improvável que aceite.

E quanto a uma resposta internacional coordenada? Isso é improvável, tanto porque não está claro o que Trump deseja da China quanto porque sua beligerância geral (para não mencionar seu racismo) deixou os Estados Unidos desprovidos de aliados que desejem combater ao seu lado nas disputas mundiais.

Assim, Trump está em posição muito mais fraca do que imagina, e meu palpite é que a minidesvalorização cambial promovida pela China foi uma tentativa de educá-lo quanto a essa realidade. Mas duvido muito que ele tenha aprendido alguma coisa.

O governo dele vem lentamente perdendo os integrantes que sabiam alguma coisa de economia, e as reportagens apontam que Trump nem ouve o bando de ignorantes que resta.

Assim, o mais provável é que essa disputa comercial piore muito antes de melhorar.
 

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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