Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Do 'vodu econômico' ao mau olhado econômico

Trump está inventando maneiras cada vez mais criativas de jogar a culpa nos outros

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Quase quatro décadas atrás, o então candidato à presidência George H. W. Bush usou a frase "vodu econômico" para caracterizar a afirmação de Ronald Reagan de que seria possível cortar os impostos dos ricos sem reduzir a arrecadação. Ele foi mais presciente do que poderia ter imaginado.

Pois o vodu econômico não é apenas uma doutrina baseada em pensamento mágico. É na verdade o maior dos zumbis em termos de políticas públicas, uma crença que aparentemente não pode ser destruída por provas em contrário.

A ideia fracassou a cada vez que seus proponentes tentaram colocá-la em prática, mas continua perambulando. A esta altura, o fato é que ela devorou o cérebro de todas as figuras importantes do Partido Republicano. Até mesmo Susan Collins, a menos direitista dos senadores republicanos (ainda que isso não seja dizer grande coisa), insistiu em que o corte de impostos de 2017 na verdade reduziria o déficit público.

FILE PHOTO: U.S. President Donald Trump returns after travelling to the AMVETS convention in Kentucky, at the South Lawn of the White House in Washington, U.S. August 21, 2019. REUTERS/Tasos Katopodis/File Photo ORG XMIT: FW1 - Tasos Katapodis/Reuters

Durante a campanha presidencial de 2016, Donald Trump fingiu ser diferente, afirmando que na verdade aumentaria os impostos dos ricos. Mas quando assumiu, ele imediatamente se tornou adepto pleno do vodu. Na verdade, levou o pensamento mágico a um novo patamar.

É verdade que, sempre que os cortes de impostos se provam incapazes de produzir o milagre previsto, seus defensores aparecem com explicações bizarras para o fracasso.

Minha favorita até agora foi a do economista Art Laffer, o praticante original do vodu econômico recentemente premiado com a Medalha Presidencial da Liberdade. Por que a presidência de George W. Bush, que promoveu um corte de impostos, terminou não com uma expansão mas com a pior contração econômica desde a Grande Depressão? De acordo com Laffer, a culpa cabe a Barack Obama, ainda que a recessão tenha começado mais de um ano antes de Obama assumir a presidência. Veja, de acordo com Laffer, todo mundo perdeu a confiança ao perceber que Obama poderia vencer a eleição de 2008.

Mas Trump foi além. Como vem se tornando cada vez mais claro que os resultados de seu corte de impostos foram decepcionantes —revisões recentes de dados reduziram as estimativas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e do emprego, a ponto de reduzir o efeito de mais de US$ 2 trilhões em avanço da dívida pública a pouco mais que um solavanco—, Trump está inventando maneiras cada vez mais criativas de jogar a culpa nos outros.

Uma delas merece destaque: ele vem afirmando que o boom prometido não chegou porque seus oponentes vêm rogando pragas sobre a economia com seus maus pensamentos: "Os democratas estão tentando 'conjurar' problemas na Economia para fins da Eleição de 2020".

Políticos de oposição podem mesmo causar uma recessão com seus pensamentos negativos? Isso vai além do vodu econômico. Talvez devamos usar o termo "mau olhado econômico".

É justo esclarecer que a afirmação de que os democratas estão rogando pragas contra o boom é um tema secundário nas diatribes de Trump. Ele em geral vem culpando o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, por seus aumentos "insanos" nas taxas de juros. E a verdade parece ser que os aumentos de juros do ano passado foram claramente um erro.

Mas culpar o Fed pelo efeito pífio do corte de impostos não convence. Para começar, o Fed na verdade elevou os juros menos do que aconteceu em recuperações econômicas anteriores. Ainda mais relevante, a equipe econômica de Trump esperava que o Fed elevasse as taxas de juros, ao fazer suas projeções extravagantemente otimistas. As projeções do governo um ano atrás eram de que as taxas de juros em 2019 seriam substancialmente mais altas do que estamos vendo de fato.

Uma maneira de expressar a questão é seguinte: o corte de impostos de Trump deveria criar um boom tão poderoso que ele não só suportaria aumentos modestos da taxa de juros pelo Fed como na verdade os requereria, para impedir um superaquecimento inflacionário. Não se pode dar uma reviravolta e berrar "traição" quando o Fed faz exatamente o que você esperava que ele fizesse.

Além de culpar todo mundo mais exceto a si mesmo, porém, como Trump lidará com o fracasso de suas promessas econômicas? Ele passou a exigir que o Fed imprima dinheiro, cortando as taxas de juros e adquirindo títulos —as ações que o banco central normalmente tomaria diante de uma recessão séria—, ainda que continue a afirmar que a força da economia persiste, e que o desemprego esteja de fato perto de um recorde histórico de baixa.

Como muita gente aponta, são exatamente essas as ações que os republicanos, incluindo Trump, denunciaram como "aviltamento da moeda" quando o desemprego era muito maior que hoje e a economia precisava desesperadamente de um estímulo.

Por que é improvável que o Fed acate o pedido, o que mais Trump poderia fazer? Membros de seu governo sugeriram a, e depois recuaram da, ideia de um corte nos impostos sobre os salários - ou seja, um corte de impostos para os trabalhadores comuns, e não para as empresas e os indivíduos ricos que em geral se beneficiaram do corte de impostos de 2017. Mas essa ação parece improvável, entre outras coisas porque importantes figuras do governo criticaram a medida quando Obama a propôs.

Trump também sugeriu usar a autoridade executiva da presidência para reduzir os impostos sobre ganhos de capital (pagos em geral pelos ricos). Isso teria a distinção de ser tanto ineficaz quanto ilegal.

E que tal abandonar a guerra comercial que vem deprimindo os investimentos das empresas? Isso parece improvável, porque o protecionismo está lá no alto, em companhia do racismo, como valor essencial para Trump. E simplesmente adiar a entrada em vigor de tarifas pode não ajudar, porque não resolveria a incerteza que pode ser o maior custo da guerra comercial.

A verdade é que Trump não tem um plano B e provavelmente não será capaz de desenvolvê-lo. Por outro lado, ele talvez não precise disso. Quem precisa de políticas competentes quando é o escolhido e o rei de Israel?

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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