Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Democratas centristas não deveriam temer comparação entre EUA e Europa

Políticos que apontam para a Europa como ilustração das coisas ruins estão parados décadas atrás

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A nomeação presidencial democrata irá para um centrista ou para um progressista? Que opção daria ao partido a melhor chance nas eleições do próximo ano? Honestamente, eu não tenho ideia. Uma coisa que posso dizer, no entanto, é que nem centrismo nem progressismo são o que costumavam ser.

Houve um tempo em que as discussões entre centristas e progressistas eram vistas como debates entre realismo e idealismo. Hoje em dia, porém, muitas vezes parece que os centristas, e não os progressistas, estão fora de contato com a realidade.

De fato, às vezes parece que os centristas são Rip Van Winkles que passaram os últimos 20 anos em uma caverna e perderam tudo o que aconteceu nos Estados Unidos e no mundo desde os anos 1990.

Você pode ver isso na política, onde Joe Biden declarou repetidamente que os republicanos terão uma "epifania" depois que Donald Trump se for e novamente se tornarem pessoas razoáveis com as quais os democratas podem tratar. Diante da política de terra arrasada do Partido Republicano durante os anos Obama, essa é uma afirmação bizarra.

Também podemos ver isso na economia. Você pode apresentar muitas críticas razoáveis às propostas econômicas de Elizabeth Warren. Mas a que eu sempre vejo é que Warren transformaria os Estados Unidos na Europa (música assustadora), talvez até na França (música ainda mais assustadora).

E você deve se perguntar se as pessoas que dizem essas coisas prestaram alguma atenção na Europa ou nos EUA nas últimas décadas. Só para esclarecer, a Europa tem grandes problemas econômicos. Mas não são aqueles que essas pessoas parecem imaginar.

Quando as pessoas dizem essas coisas, parecem ter em mente uma imagem da comparação EUA-Europa que parecia ter alguma validade nos anos 1990. Nesse cenário, os países com grandes gastos sociais e ampla regulamentação governamental dos mercados sofreram de "euroesclerose", a persistente falta de empregos.

Os empregadores, dizia a história, relutavam em se expandir tanto por causa dos altos impostos quanto por temerem não poder demitir trabalhadores depois de contratados. Ao mesmo tempo, os trabalhadores tinham pouco incentivo para aceitar empregos porque podiam viver de generosos programas sociais.

A Europa também parecia estar atrasada na adoção de novas tecnologias: durante algum tempo, os EUA avançaram no uso da internet e da tecnologia da informação em geral, levando a argumentos de que os altos impostos e as regulamentações da Europa estavam desencorajando a inovação.

Mas tudo isso foi há muito tempo. A lacuna de empregos desapareceu amplamente; os adultos em seus primeiros anos de trabalho têm mais probabilidade de serem empregados na Europa, incluindo a França, do que nos Estados Unidos.

Qualquer lacuna na adoção da tecnologia da informação também desapareceu há muito tempo; as famílias em grande parte da Europa têm a mesma ou maior probabilidade de ter banda larga do que as americanas, em parte porque a falha dos EUA em limitar o poder de monopólio dos fornecedores levou a preços muito mais altos pelo acesso à internet.

É verdade que os países europeus têm um PIB per capita menor que o nosso, mas isso ocorre principalmente porque, diferentemente da maioria dos americanos, a maioria dos europeus tem um período de férias significativo e, portanto, trabalha menos horas por ano. Isso soa como uma escolha sobre o equilíbrio entre vida profissional e familiar, e não um problema econômico.

E nesse indicador mais fundamental, a expectativa de vida, os EUA ficaram muito para trás: os residentes franceses podem esperar, em média, viver mais de quatro anos a mais que os americanos. Por quê? Cuidados de saúde universais e políticas que atenuam a desigualdade extrema são as explicações mais prováveis.

Agora, não quero que isto pareça um elogio a todas as coisas europeias. As nações do euro permanecem terrivelmente vulneráveis às crises financeiras porque adotaram uma moeda comum sem uma rede de segurança bancária compartilhada; somente a liderança heroica de Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, evitou um colapso catastrófico do euro em 2012.

A Europa também sofre de uma fraqueza persistente na demanda, porque os principais atores, em particular a Alemanha, têm um medo obsessivo de déficits, mesmo quando a economia europeia precisa desesperadamente de estímulo.

Esses são grandes problemas, graves o suficiente para que eu não fique surpreso se a Europa for o epicentro da próxima crise global. Mas o problema da Europa não é que seus programas sociais sejam generosos demais e seus governos, intrusivos demais.

Na verdade, é quase o contrário: a economia europeia é vulnerável porque uma combinação de fragmentação política com rigidez ideológica deixou seus políticos pouco dispostos a ser keynesianos o suficiente.

A questão é que os centristas que apontam para a Europa como ilustração das coisas ruins que acontecem quando você fica entusiasmado demais com a busca por justiça social estão parados décadas atrás.

A experiência europeia moderna justifica reivindicações progressistas de que podemos fazer muito para tornar os EUA mais justos, sem destruir incentivos. E mesmo os problemas da Europa são argumentos para mais intervenção do governo, não menos.

Sem dúvida, vamos discutir se "Medicare para todos", impostos sobre a riqueza e outras propostas progressistas são realmente boas ideias. Mas tentar derrubá-las falando sobre como as coisas estão terríveis na França é um sinal claro de que você não tem ideia do que está falando.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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