Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Trump e seu partido velho e corrupto

Partido Republicano se tornou instituição completamente corrupta, e presidente é sintoma, não doença

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Formalmente, a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos está conduzindo um inquérito para decidir se Donald Trump deve ou não sofrer impeachment. Na realidade, sabemos a resposta a essa pergunta há muito tempo. Em uma era diferente, em que ambos os partidos acreditassem na Constituição, o abuso de sua posição por Trump para ganho pessoal teria conduzido à sua remoção do posto há muito tempo.

Não, o que estamos testemunhando de fato é um teste das profundezas a que o Partido Republicano se deixará afundar. Quanta corrupção, que nível de conluio com representantes de potências estrangeiras e traição do interesse nacional, os representantes eleitos do partido acatarão?

E o resultado desse teste vem se tornando cada vez mais claro: o poço não tem fundo. O inquérito não encontrou uma prova cabal; encontrou uma verdadeira coleção delas. Mas praticamente nenhum republicano leal ao partido se voltou contra Trump e seus colaboradores em tantos crimes e delitos. Por que não?

A resposta vai ao cerne do que há de errado com a política americana moderna: o Partido Republicano se tornou uma instituição completamente corrupta. Trump é um sintoma, não a doença, e nossa democracia continuará sob severa ameaça mesmo depois que ele se for.

A explicação usual que se ouve sobre a aquiescência do Partido Republicano aos maus feitos de Trump é que os republicanos eleitos temem ser derrotados nas primárias caso demonstrem qualquer sinal de hesitação em seu apoio. E isso certamente é parte importante da história.

Os republicanos não se esquecem do que aconteceu em 2014, quando David Brat, um insurgente do Tea Party, derrubou Eric Cantor, na época o líder da maioria republicana na Câmara. Cantor era um conservador linha dura, mas tinha modos cordatos e era percebido como brando com relação à imigração.

A lição é que a base republicana exige carne vermelha, e hoje em dia isso significa apoiar Trump não importa o que aconteça.

Mas os temores eleitorais não são a única coisa que mantém os republicanos na linha.

Por um lado, não acho que a maioria dos observadores da política interna perceba, mesmo agora, até que ponto os republicanos consideram seus oponentes não como concidadãos, e sim como inimigos desprovidos de qualquer direito legítimo a governar.

O secretário da Justiça, William Barr, diz que os progressistas são “laicos militantes” cujo objetivo é “destruir a ordem moral tradicional”. Se é dessa maneira que você vê o mundo, você apoiará qualquer coisa –o que inclui solicitar e/ou extorquir intervenção de potências estrangeiras nas eleições dos Estados Unidos– para ajudar a derrotar os progressistas.

Por outro lado, é notável que, com algumas poucas exceções, mesmo os republicanos que estão deixando ou deixaram seus postos ainda se recusam a criticar Trump. Houve uma onda de republicanos anunciando que deixarão suas cadeiras na Câmara, e existe pouca dúvida de que alguns desses políticos estão saindo porque sentem repulsa por servir à atual administração. Mas quase nenhum deles admitiu o fato explicitamente, ainda que não tenham novas primárias a enfrentar. O que os mantêm na linha?
A resposta é: siga o dinheiro.

Afinal, o que políticos aposentados fazem para ganhar a vida? Muitos se tornam lobistas e, em uma era de extrema polarização, isso significa fazer lobby dentro de seu partido. Ser honesto sobre os motivos de sua saída seria ruim para os futuros negócios.

Além disso, a direita moderna dos Estados Unidos contém muitas instituições – a Fox News e outras organizações de mídia, institutos conservadores de pesquisa e coisa assim – que oferecem sinecuras a antigos políticos. No entanto, esse “programa de bem-estar social para maluquinhos de direita” –que não tem contraparte na esquerda– só está disponível para aqueles que continuarem seguindo a linha do partido.

Mencionei acima David Brat, que tirou Eric Cantor de seu assento na Câmara. Brat mesmo terminou derrotado na grande vitória democrata do ano passado. O que ele está fazendo agora, então? É diretor da escola de administração de empresas da Liberty University, de Jerry Falwell Jr.

Até onde sei, Gordon Sondland, que é embaixador dos Estados Unidos à União Europeia – mas certamente não por muito mais tempo –foi o primeiro indicado político, em contraposição aos funcionários públicos de carreira, a testemunhar sobre o abuso de poder do governo Trump na Ucrânia. Um ponto importante sobre Sondland, porém, é que ele é um homem rico, que não precisa da rede de bem-estar social dos maluquinhos da direita.

Viverá confortavelmente a sua aposentadoria, desde que não termine preso. Por isso, seus incentivos são muito diferentes daqueles que se aplicam à maior parte das figuras republicanas.

Isso significa que todos os republicanos são corruptamente subservientes a Trump? Não, alguns deles são honrados e jamais aderiram ao presidente, o que inclui muitos dos luminares neoconservadores na política externa, como William Kristol. Alguns de nós jamais perdoarão esse grupo por ter nos levado a uma guerra sob falsos pretextos, mas a verdade é que eles têm princípios, e merecem reconhecimento pela coragem política que vêm demonstrando.

Mas o moderno Partido Republicano é em geral esmagadoramente fanático, corrupto, ou os dois.

Qualquer pessoa que imagine que a montanha de indícios quanto aos delitos de Trump conduzirá a um despertar moral, ou que os republicanos retornarão às normas democráticas quando Trump se for, está vivendo em um mundo de fantasia. Mesmo uma derrota eleitoral catastrófica no ano que vem provavelmente fará pouco por mudar o comportamento republicano.

A grande questão é determinar se os Estados Unidos tais quais os conhecemos poderão sobreviver por muito tempo quando um de seus dois grandes partidos na prática rejeitou os princípios sobre os quais nossa nação foi construída.
 
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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