Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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O partido que arruinou o planeta

Republicanos dos EUA são o único grande partido do mundo que nega o aquecimento global

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O aspecto mais aterrorizante do drama político dos Estados Unidos não é a revelação de que o presidente abusou de seu poder para obter ganhos pessoais. Se você não viu que isso iria acontecer desde o dia em que Donald Trump foi eleito, não estava prestando atenção.

Não, a verdadeira revelação tem sido a depravação total do Partido Republicano. Essencialmente, todos os funcionários eleitos ou nomeados nesse partido optaram por defender Trump aceitando teorias da conspiração loucas e desmascaradas. Ou seja, um dos dois principais partidos dos EUA está além da redenção; diante disso, é difícil ver como a democracia pode durar muito, mesmo que Trump seja derrotado.

No entanto, os relatos mais assustadores que vi recentemente foram sobre ciência, não política. Um novo relatório federal constata que a mudança climática no Ártico está se acelerando, correspondendo ao que costumava ser considerado o pior cenário. E há indícios de que o aquecimento do Ártico pode estar se transformando em uma espiral que se autoalimenta, já que a própria tundra degelada libera grande quantidade de gases do efeito estufa.

Aumento catastrófico do nível do mar, ondas de calor que tornam os principais centros populacionais inabitáveis e outras coisas parecem hoje mais prováveis do que não, e para mais cedo do que mais tarde.

Mas as terríveis notícias políticas e as terríveis notícias climáticas estão intimamente relacionadas.

Por que, afinal, o mundo deixou de agir em relação ao clima e por que ainda está deixando de agir, quando o perigo se torna cada vez mais óbvio? É claro que existem muitos culpados; a ação jamais seria fácil.

Mas um fator se destaca acima de todos os outros: a oposição fanática dos republicanos dos EUA, que são o único grande partido do mundo que nega o clima. Por causa dessa oposição, os Estados Unidos não apenas deixaram de oferecer o tipo de liderança que seria essencial para a ação global, como se tornaram uma força contra a ação.

E a negação republicana do clima está enraizada no mesmo tipo de depravação que estamos vendo em relação a Trump.

Como já escrevi antes, a negação do clima foi, de muitas maneiras, o cadinho do trumpismo. Muito antes dos gritos de "notícias falsas", os republicanos se recusavam a aceitar a ciência que contradizia seus preconceitos. Muito antes de os republicanos começarem a atribuir cada novo fato negativo às maquinações do "Estado profundo", eles insistiam que o aquecimento global era uma farsa gigantesca perpetrada por uma vasta cabala global de cientistas corruptos.

E muito antes de Trump começar a armar o poder presidencial para obter ganhos políticos os republicanos estavam usando seu poder político para assediar os cientistas climáticos e, sempre que possível, criminalizar a prática da própria ciência.

Talvez não surpreendentemente, alguns dos responsáveis por esses abusos estão agora instalados no governo Trump. Notadamente, Ken Cuccinelli, que como procurador-geral da Virgínia se envolveu em uma longa caça às bruxas contra o cientista climático Michael Mann, agora está no Departamento de Segurança Interna, onde defende políticas anti-imigrantes, como relata o "Times", com "pouca preocupação por restrições legais".

Mas por que os republicanos se tornaram o partido da condenação do clima? O dinheiro é uma parte importante da resposta: no ciclo atual, os republicanos receberam 97% das contribuições políticas da indústria do carvão, 88% do petróleo e gás. E isso nem conta o bem-estar oferecido por instituições apoiadas pelos irmãos Koch e outros magnatas dos combustíveis fósseis.

No entanto, não acredito que tenha a ver só com dinheiro. Minha sensação é que os direitistas acreditam, provavelmente com acerto, que há uma espécie de halo em torno de qualquer forma de ação pública. Depois de aceitar que precisamos de políticas para proteger o meio ambiente, é mais provável que você aceite a ideia de que devemos ter políticas para garantir o acesso a tratamentos de saúde, cuidados infantis e muito mais. Portanto, o governo deve ser impedido de fazer algo de bom para que não legitime uma agenda progressista mais ampla.

Ainda assim, quaisquer que sejam os incentivos políticos em curto prazo, é preciso um tipo especial de depravação para reagir a esses incentivos negando fatos, adotando teorias conspiratórias insanas e pondo em risco o próprio futuro da civilização.

Infelizmente, esse tipo de depravação não está presente apenas no moderno Partido Republicano, mas com efeito dominou toda a instituição. Costumava haver pelo menos alguns republicanos com princípios; em 2008, o senador John McCain copatrocinou uma legislação séria sobre a mudança climática. Mas essas pessoas sofreram um colapso moral total (olá, senador Graham) ou deixaram o partido.

A verdade é que, mesmo agora, não entendo completamente como as coisas ficaram tão ruins. Mas a realidade é clara: os republicanos modernos são irrecuperáveis, desprovidos de princípios ou vergonha. E não há, como eu disse, razão para acreditar que isso mudará, mesmo que Trump seja derrotado no próximo ano.

A única maneira pela qual a democracia americana ou um planeta habitável podem sobreviver é se o Partido Republicano como ele existe hoje for efetivamente desmantelado e substituído por algo melhor –talvez por um partido com o mesmo nome, mas valores completamente diferentes. Pode parecer um sonho impossível. Mas é a única esperança que temos.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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