Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Por que Trump deveria odiar o Dia de Ação de Graças

Dia de Ação de Graças é o momento de tolerância racial e multiculturalismo

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A “guerra contra o Natal”, completamente imaginária, ao que parece não foi suficiente. Agora, a Fox News e Donald Trump estão acusando os progressistas de travar uma guerra contra o Dia de Ação de Graças, também. Mas será que Trump e seu bando de intolerantes conseguem compreender o que o Dia de Ação de Graças significa? Se o fizessem, eles odiariam o mais americano dos feriados.

Afinal, os peregrinos eram refugiados fugindo da perseguição da monarquia inglesa, que na época ainda era um regime autocrático. Em outras palavras, eles eram o tipo de pessoa que Trump e companhia querem manter fora do país.

Além disso, o retrato tradicional do primeiro Dia de Ação de Graças é o de um momento de tolerância racial e multiculturalismo. Imigrantes europeus dividindo um banquete com indígenas americanos. O momento não durou. Boa parte da população nativa da Nova Inglaterra foi exterminada nas décadas seguintes. E um desfecho como esse bem pode ter sido inevitável. Mas continuamos a celebrar a história de um encontro benigno de raças e culturas.

O presidente dos EUA, Donald Trump, gesticula com uma das mãos para cima enquanto fala. Um peru, de uma das competições típicas desta época do ano nos Estados Unidos, para em sua frente, sendo segurado por um homem.
"A opinião popular de que os imigrantes fazem uma contribuição positiva pra os Estados Unidos está em seu ponto mais alto em décadas" - Leah Millis - 20.nov.2018/Reuters

O Dia de Ação de Graças se tornou um feriado oficial graças a uma proclamação de Abraham Lincoln em 1863, poucas semanas antes de ele fazer o Discurso de Gettysburg, no qual declarou que os Estados Unidos eram uma nação dedicada à proposição de que todos os homens foram criados como iguais. Não há coisa alguma nesse feriado que o reserve aos devotos de uma determinada religião, ou, de fato, aos devotos de qualquer religião formal, e ele é aberto a todas as culturas. O The New York Times recentemente publicou um artigo sobre a crescente popularidade do peru tradicional do jantar de Ação de Graças preparado ao estilo do pato assado da culinária chinesa. E nada poderia ser mais fiel ao espírito da data.

O Dia de Ação de Graças é, em resumo, um feriado verdadeiramente americano. Não só é um evento único de nosso país como uma celebração dos valores que de fato criaram a grandeza dos Estados Unidos: a abertura a pessoas que parecem ou agem diferente, tolerância religiosa, simpatia pelos perseguidos, crença na igualdade humana.

É verdade que com muita frequência praticamos esses valores apenas da boca para fora; houve muitos capítulos sombrios na história de nossa nação. Mas sempre conseguimos emergir dessa escuridão. Às vezes, esse processo precisou de gerações para acontecer: a era da segregação racial no sul durou quase um século, e não desapareceu completamente, ainda hoje. Ainda assim, vezes sem conta, dos abolicionistas ao movimento pelos direitos civis, do sufrágio feminino aos direitos dos LGBTQ, os ideais dos Estados Unidos terminaram por prevalecer, e retornamos aos valores essenciais da nação.

Agora estamos vivendo mais um de nossos capítulos sombrios. Trump e companhia são, inquestionavelmente, nacionalistas brancos cujos valores ficam muito mais próximos aos dos autoritários que defendem a integridade racial e territorial na Europa do que aos da tradição americana. E todo o Partido Republicano parece pronto a apoiar Trump mesmo que ele traia completamente não só os valores dos Estados Unidos como os interesses do país.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, faz"joinha" para um dos perus ganhadores do "72nd National Thanksgiving Turkeys". Ao seu lado, a primeira dama, Melania Trump, observa a ação.
"O Dia de Ação de Graças é, em resumo, um feriado verdadeiramente americano. Não só é um evento único de nosso país como uma celebração dos valores que de fato criaram a grandeza dos Estados Unidos: a abertura a pessoas que parecem ou agem diferente, tolerância religiosa, simpatia pelos perseguidos, crença na igualdade humana" - Loren Elliott/Reuters

Além disso, não existe garantia de que emergiremos desse capítulo sombrio como a nação que um dia fomos. É verdade que Trump é um presidente incomumente impopular; mas seu índice de aprovação, de cerca de 40%, na verdade é mais alto do que a aprovação de que Viktor Orban desfrutava enquanto desmantelava a democracia da Hungria. E Trump, como os nacionalistas brancos europeus, está fazendo seu melhor para remover as proteções que deveriam supostamente limitar o abuso de poder, e para deslegitimar completamente a oposição.

Mas embora um número alarmante de americanos pareça aceitar sem problemas esse programa autoritário e essa adoção da intolerância, o restante do país parece reconfortantemente apegado a uma sociedade aberta.

Os esforços de Trump para espalhar o medo quanto às pessoas não brancas parecem ter saído pela culatra: a opinião popular de que os imigrantes fazem uma contribuição positiva pra os Estados Unidos está em seu ponto mais alto em décadas.

 

Além disso, embora Trump possa ter tantos partidários quanto os autocratas em ascensão no exterior, ele enfrenta resistência muito mais determinada. A oposição ao Fidesz, na Hungria, ou ao Partido Lei e Justiça na Polônia parecia desmoralizada e desorganizada desde o começo. Já a oposição a Trump vem sendo vigorosa e e coesa, para todos os efeitos. E o motivo não está penas nas personalidades. Embora Nancy Pelosi e Adam Schiff sejam impressionantes, tanto a vitória democrata na eleição de 2018 quanto a efetividade do inquérito de impeachment refletem o compromisso de muitos americanos quanto a sustentar nossos valores centrais.

Isso posto, ainda assim podemos perder tudo. No entanto, isso também era verdade quando Lincoln fez do Dia de Ação de Graças um feriado nacional. Enquanto ele celebrava os pontos fortes dos Estados Unidos, a nação estava afundada em uma guerra civil e, apesar das vitórias em Gettysburg e Vicksburg, o triunfo da União estava longe de garantido.

O ponto é que o Dia de Ação de Graças não é a celebração de um triunfo nacional; é uma celebração do lado melhor da natureza americana. É por isso que esse é um feriado que os verdadeiros patriotas, que acreditam nos valores implícitos de nossa nação, deveriam amar – e que pessoas como Trump e seus partidários deveriam odiar.

 Tradução de Paulo Migliacci, The New York Times

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