Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Vamos ser reprovados no curso de economia epidêmica?

Crise por coronavírus pode ser de três a cinco vezes pior do que a última recessão

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The New York Times

Apenas um mês atrás, Donald Trump continuava insistindo em que a Covid-19 era uma questão trivial, comparando-a a um “resfriado comum”. E ele desconsiderava qualquer preocupação econômica. Afinal, durante a temporada anual da gripe, “nada fecha, a vida & e a economia continuam”.

Mas pandemias avançam rápido. Desde que Trump desconsiderou a pandemia com tamanha negligência, cerca de 15 milhões de americanos perderam seus empregos —a implosão econômica está acontecendo tão rápido que as estatísticas oficiais não conseguem acompanhar.

Na nossa mais recente crise, a economia se contraiu em cerca de 6% com relação à tendência de longo prazo, e o índice de desemprego subiu em cinco pontos percentuais. É só um palpite, mas no momento estamos diante de uma queda três a cinco vezes maior.

Presidente dos EUA, Donald Trump
Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump; há um mês, Trump insistia que a Covid-19 era uma questão trivial e desconsiderava qualquer preocupação econômica - Jim Watson/AFP

E esse mergulho é não só quantitativamente excepcional como qualitativamente diferente de qualquer coisa que tenhamos visto no passado. Recessões normais acontecem quando as pessoas escolhem cortar seus gastos, e a consequência não pretendida disso é a destruição de empregos. Até agora, a queda atual reflete, principalmente, a paralisação deliberada e necessária de atividades que possam resultar em aumento no ritmo de infecção.

Como venho dizendo, estamos diante do equivalente econômico a um coma induzido, no qual algumas funções cerebrais são paralisadas temporariamente a fim de propiciar ao paciente uma oportunidade de se curar.

Embora uma desaceleração profunda seja inevitável, no entanto, boas políticas públicas poderiam fazer muito para minimizar as dificuldades que os americanos enfrentarão. O problema é que os Estados Unidos há muito estão sob o domínio de uma ideologia inimiga da ideia de governo, o que nos deixou despreparados, intelectual e institucionalmente, para a crise.

O que deveríamos estar fazendo? Economistas sérios já chegaram a um consenso geral sobre a resposta política apropriada à pandemia. O resumo é que não estamos vivendo uma recessão convencional, que pede por um estímulo econômico de base ampla. A missão imediata, além de um esforço generalizado para conter a pandemia em si, deveria em lugar disso ser aliviar a situação de desastre: assistência generosa às pessoas que sofreram perdas súbita de renda como resultado da paralisação da economia.

É verdade que podemos sofrer uma segunda rodada de perda de empregos caso as vítimas das medidas de isolamento cortem seus gastos em outros bens e serviços. Mas medidas adequadas de socorro poderiam resolver esse problema igualmente, ajudando a sustentar a demanda.

Assim, o que importa é ajudar as vítimas econômicas do isolamento causado pelo coronavírus. Como estamos nos saindo?

A boa notícia é que, graças à pressão do Partido Democrata, o pacote não de estímulo de US$ 2 trilhões, que foi aprovado menos de três semanas depois de Trump descartar a ideia de que a Covid-19 podia representar um problema econômico, tem por foco as coisas certas, em geral. As cláusulas centrais do projeto são ajuda aos hospitais, aos desempregados e às pequenas empresas, para que mantenham suas folhas de pagamento em dia; essas são exatamente as coisas que deveríamos estar fazendo.

O que merece destaque é que conseguimos um pacote de legislação em geral sensato ainda que o presidente estivesse falando bobagens, pressionando por – o que mais? - cortes de impostos como solução para os problemas da economia. Na verdade, não consigo recordar de qualquer outro exemplo recente em que os republicanos tenham aprovado um grande projeto fiscal que envolvesse principalmente gastar em benefício da maioria, sem qualquer corte de impostos para os ricos.

A má notícia vem em duas partes.

Primeiro, o projeto ficou bem aquém do que seria necessário, em uma dimensão crucial: o auxílio aos governos estaduais, que estão na linha de frente do combate à pandemia. Ao contrário do governo federal, os estados precisam zerar seus déficits a cada ano. Agora estamos diante de uma grande alta de custos e a uma forte perda de arrecadação; a menos que os estados recebam muito mais assistência, serão forçados a cortar gastos severamente, o que vai solapar diretamente os serviços gerais e, indiretamente, agravar a desaceleração geral da economia.

E não está claro se e quando esse rombo será coberto. Os republicanos do Senado são hostis à ideia de um novo pacote de resgate; na Casa Branca, as autoridades ao que se sabe continuam a falar em cortes de impostos.

Segundo, as décadas de hostilidade ao governo nos deixaram mal posicionados para distribuir até mesmo a assistência votada pelo Congresso. Os departamentos estaduais de benefícios de desemprego sofrem de falta de verbas há muito tempo, e os estados governados por conservadores dificultaram deliberadamente a solicitação de benefícios. Assim, a disparada no desemprego está demolindo o sistema de benefícios; o Congresso votou e aprovou o pacote de socorro, mas o dinheiro não está fluindo.

O programa de empréstimos a pequenas empresas também começou de maneira caótica, de acordo com todos os relatos. E os cheques de US$ 1,2 mil que cada americano receberia? Muita gente não os receberá por semanas, ou meses.

Não precisava ser assim. O Canadá já estabeleceu um portal de web e um sistema telefônico especiais para oferecer assistência de emergência aos desempregados. Os alemães ficaram agradavelmente surpresos com a rapidez com que a assistência está fluindo para os trabalhadores autônomos e as pequenas empresas.

Mas as décadas de ataques dos conservadores à ideia de que o governo possa fazer qualquer coisa de bom deixaram os Estados Unidos em uma situação única, de impotência aprendida. E a isso se combina a completa falta de liderança vinda do topo.

Sabemos o que deveríamos estar fazendo em termos de política econômica, e o Congresso aprovou um pacote de assistência que, embora falho, foi melhor do que eu esperava. Mas no momento, parece que nossa resposta à emergência econômica ficará bem aquém do esperado.

(The New York Times, tradução de Paulo Migliacci)

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