Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Trump e seus assessores infalíveis

Cuidado com homens que nunca admitem ter errado

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"Você tem 15 pessoas, e em alguns dias as 15 vão diminuir para quase zero."

Nós contivemos isso, e a economia está "se mantendo bem".

Não é nada mais grave que a gripe comum.

Vamos ter 50 mil a 60 mil mortes, e isso é ótimo.

OK, talvez tenhamos mais de 100 mil mortes, mas estamos fazendo um ótimo trabalho e devemos reabrir a economia.

Às vezes você ouve as pessoas dizerem que Donald Trump e seus minions minimizaram os riscos do Covid-19, e que esse erro de avaliação ajuda a explicar por que sua reação foram políticas tão desastrosamente inadequadas. Mas essa afirmação, embora verdadeira, não toca aspectos cruciais do que está acontecendo.

O presidente norte-americano Donald Trump em Phoenix, Arizona, Estados Unidos - Tom Brenner/Reuters

Pois Trump e companhia não cometeram um erro isolado. Eles minimizaram grosseiramente a pandemia e seus riscos em cada etapa do percurso, semana após semana, durante um período de meses. E continuam a fazê-lo.

Agora, todo mundo faz previsões ruins; Deus sabe que eu fiz. Mas quando você continua fazendo coisas erradas, e especialmente quando continua errando na mesma direção, você deveria praticar um pouco de autorreflexão —e aprender com seus erros. Por que errei? Eu cedi ao raciocínio motivado, acreditando no que eu queria que fosse verdade, em vez de seguir a lógica e as evidências?

Para praticar essa autorreflexão, entretanto, você precisa estar disposto a admitir que errou, em primeiro lugar.

Todos sabemos que o próprio Trump é incapaz de fazer tal confissão. Em um momento de crise, os Estados Unidos são liderados por um homem infantilizado e chorão, cujo ego é frágil demais para que ele admita ter cometido qualquer espécie de erro. E ele se cercou de pessoas que compartilham sua falta de caráter.

Mas de onde vêm essas pessoas? O que me marcou, enquanto continuam surgindo detalhes da calamidade do coronavírus, é que ele não estava recebendo maus conselhos de figuras obscuras e marginais, cuja única reivindicação à fama era seu puxa-saquismo. Pelo contrário, as pessoas que lhe diziam o que ele queria escutar eram, de modo geral, pilares do establishment conservador, com longas carreiras pré-Trump.

No sábado (2), o The Washington Post relatou que no final de março Trump estava descontente com os modelos epidemiológicos que sugeriam um número de mortes acima de 100 mil —o que, aliás, hoje parece altamente provável.

Então a Casa Branca criou sua própria equipe liderada por Kevin Hassett, que o Post descreve como um "ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Trump, sem histórico em doenças infecciosas". E sua equipe produziu uma análise que assessores de Trump interpretaram como prevendo um número de mortes muito mais baixo.

O que o Post não disse foi que além de não ter qualquer experiência em epidemiologia Hassett tem um histórico, hum... interessante como economista.

Primeiro, ele chamou ampla atenção em 1999 como coautor de um livro que afirmava que as ações estavam muito subvalorizadas e que o índice Dow deveria ser 36 mil (o que seria em torno de 55 mil hoje). Rapidamente ficou claro que havia grandes erros conceituais nesse livro; mas Hassett nunca admitiu o erro.

Em meados dos anos 2000, Hassett negou que houvesse uma bolha habitacional, sugerindo que só os liberais acreditavam que houvesse.

Em 2010, Hassett fez parte de um grupo de economistas e analistas conservadores que advertiram em carta aberta que os esforços do Federal Reserve para salvar a economia levariam à desvalorização da moeda e à inflação. Quatro anos depois, a Bloomberg News tentou falar com os signatários para perguntar por que essa inflação não se materializou; nenhum deles quis admitir que estava errado.

Finalmente, Hassett prometeu que o corte fiscal de Trump em 2017 levaria a um grande aumento no investimento empresarial; não levou, mas ele insistiu que sim.

Você poderia pensar que um economista pagaria alguma penalidade profissional por esse tipo de histórico —não simplesmente por fazer más previsões, o que todo mundo faz, mas por estar ao mesmo tempo errado em todas as conjunturas importantes e se recusar a admitir ou a aprender com os erros.

Mas não: Hassett continua sendo, como eu disse, um pilar do establishment conservador moderno, e Trump lhe pediu para refutar especialistas em epidemiologia, campo em que ele não tem experiência.
E Hassett não é sequer ruim sozinho. Diferentemente de, por exemplo, Stephen Moore, que Trump tentou colocar no conselho do Federal Reserve, ele não tem, até onde eu sei, um histórico de simplesmente entender mal números e fatos simples.

A moral desta história, eu diria, é que observadores que tentam compreender a resposta letalmente ruim dos Estados Unidos ao coronavírus se concentram demais nas falhas pessoais de Trump, e não o bastante no caráter do partido que ele lidera.

Sim, a insegurança de Trump o leva a rejeitar a expertise, a escutar só pessoas que lhe dizem o que o faz sentir-se bem e a se recusar a admitir erros. Mas o desdém por especialistas, a preferência por lealistas incompetentes e o fracasso em aprender com a experiência são o procedimento operacional padrão de todo o Partido Republicano moderno.

O narcisismo e o solipsismo de Trump são especialmente gritantes, até flamejantes. Mas ele não é um forasteiro; ele é mais o apogeu da longa tendência da direita americana à degradação intelectual. E essa degradação, mais que o caráter de Trump, é o que está levando a um vasto número de mortes desnecessárias.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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