Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Aquilo que você não sabe não prejudica Trump

'Desacelerem os exames', ele disse, e isso está acontecendo

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Agora estamos no estágio da pandemia da Covid-19 em que Donald Trump e seus aliados tentam suprimir informações sobre a difusão do coronavírus –porque é exatamente isso que eles estão fazendo. Mas como vem acontecendo desde o começo, eles ficaram muito para trás da curva. Do ponto de vista político (o único que os interessa), seus esforços de desinformação vieram tarde demais, e sem força suficiente.

Aqui estamos: dentro de alguns dias, milhões de americanos sofrerão uma queda drástica em suas rendas, quando os benefícios expandidos aos desempregados expirarem. Isso requereria ação urgente; no entanto, evitar uma calamidade econômica estava fadado a ser difícil, de qualquer forma, porque os republicanos em geral relutam em fornecer a assistência de que os trabalhadores a quem a pandemia deixou sem emprego necessitam.

E agora parece existir mais um obstáculo a qualquer ação: uma disputa interna no Partido Republicano sobre verbas para exames e para o rastreamento de indivíduos infectados. Até mesmo os republicanos do Senado apoiam uma ampliação no número de exames de coronavírus, que é desesperadamente necessária diante de nossa situação atual. A disparada no número de casos resultou em uma defasagem nos exames, e os resultados deles estão demorando tanto tempo para sair que se tornam inúteis para todos os fins práticos.

Presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca
Presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca - Jim Watson/AFP

Mas os funcionários do governo Trump se opõem à concessão de novas verbas para exames. E nem mesmo tentam oferecer desculpas, porque Trump em pessoa explicou a estratégia em seu comício de Tulsa, um mês atrás: se o número de exames for expandido, ele disse, “vamos encontrar mais casos, e por isso eu instruí meu pessoal a desacelerar os exames, por favor”.

Em outras palavras, o que você não sabe não prejudica Trump.

Ninguém deveria se surpreender por a equipe de Trump estar tentando suprimir más notícias sobre a pandemia. Isso era completamente previsível, levando em conta a Lei de Projeção de Obama: todas as teorias de conspiração da direita sobre o presidente Barack Obama representavam uma indicação do que os republicanos desejavam fazer assim que tivessem o poder.

Você se lembra, por exemplo, dos rumores absurdos sobre uma iminente tomada de controle militar sobre o governo do Texas, tratados com seriedade por republicanos importantes? Agora temos agentes não identificados do Departamento de Segurança Interna circulando pelas ruas de Portland, Oregon, em veículos anônimos e detendo pessoas nas ruas. Lembra-se das insinuações de que o governo estava secretamente construindo campos de concentração? Milhares de imigrantes agora estão encarcerados em centros de detenção, em muitos casos sob condições horríveis.

E a guerra em curso contra os exames para detectar a Covid-19 foi prefigurada pelas constantes acusações de que o governo Obama estava suprimindo más notícias sobre a economia. O pessoal que queria a “verdade sobre a inflação” insistia em que o governo federal estava ocultando a inflação descontrolada que a direita previu mas jamais aconteceu. Os direitistas que queriam a verdade sobre o emprego –entre os quais, notavelmente, um certo Donald Trump– declaravam que os números oficiais do emprego que demonstravam melhora constante na economia eram uma falsificação, e que o desemprego era na verdade muito mais alto do que o governo vinha reportando.

Portanto, era inevitável que os devotos de Trump viessem a fazer o que falsamente acusaram Obama de fazer, ocultando os números desfavoráveis sobre a pandemia. Os esforços para restringir o número de exames são apenas parte da história.

O governo Trump recentemente ordenou que os hospitais suspendessem a transmissão de dados ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), ordenando que eles os reportassem a uma empresa terceirizada, em lugar disso. Como resultado, os números sobre internações hospitalares, um indicador crucial sobre a pandemia, desapareceram do site do CDC, antes que uma onda de protestos levasse ao seu retorno.

E alguns estados controlados pelos republicanos, especialmente a Geórgia, vêm adulterando há meses os dados sobre o coronavírus, apresentando-os de maneiras enganosas que minimizam o problema.

O mistério é por que o ataque aos exames demorou tanto tempo a surgir. Uma dica aos profissionais: se você quer esconder más notícias epidemiológicas, precisa começar a fazê-lo antes que todo mundo perceba que a pandemia está em expansão e escapou ao controle.

Uma fascinante autópsia do The New York Times sobre o fracasso da resposta de Trump ao coronavírus nos ajuda a compreender o que aconteceu. E quero dizer literalmente autópsia: os americanos estão morrendo de coronavírus em ritmo oito vezes superior ao do Canadá e 10 vezes superior ao da Europa.

O relato do jornal deixa claro que a equipe de Trump jamais considerou seriamente qualquer tentativa de lidar com a realidade da pandemia. Também deixa claro, além disso, que as autoridades se convenceram em abril de que escapariam impunes dessa abdicação de responsabilidade, e que o coronavírus desapareceria.

E quando elas perceberam que o vírus não estava colaborando com seu joguinho político, era tarde demais para ocultar a verdade.

A esta altura, não está claro nem mesmo a que propósito político obstruir os exames deveria servir. A tentativa de engendrar um boom econômico antes da eleição já fracassou, porque os estados que reabriram suas economias estão revertendo o curso. Trump já desperdiçou toda a credibilidade que o governo poderia ter com relação ao coronavírus; mesmo que o número de casos reportados subitamente comece a parecer muito melhor, quem além dos partidários mais leais do governo acreditaria nisso?

Assim, o que está acontecendo parece menos uma estratégia política do que um esforço para consolar o ego frágil do patrão. Trump continua a insistir, falsamente, em que o único motivo para que estejamos vendo tantos casos da doença é que o número de exames é excessivo, e por isso seus assessores estão tentando se enquadrar ao restringir os exames.

E se isso paralisar a resposta americana à pandemia, tornando impossível uma estratégia de teste, rastreamento e isolamento dos focos de contágio, bem, enfrentar de verdade o vírus nunca foi parte do plano.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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