Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Os republicanos não poderiam se importar menos com os desempregados

Sua crueldade e ignorância estão criando mais um desastre gratuito

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Caso você não tenha notado, o coronavírus ainda está muito entre nós. Cerca de mil americanos morrem de covid-19 todos os dias, dez vezes a taxa da União Europeia. Graças ao nosso fracasso em controlar a pandemia, ainda estamos sofrendo níveis de desemprego semelhantes aos da Grande Depressão; uma breve recuperação impulsionada por tentativas prematuras de retomar os negócios normalmente parece ter murchado à medida que os estados interrompem ou revertem sua abertura.

No entanto, os benefícios especiais aos desempregados, um socorro crucial para dezenas de milhões de americanos, expiraram. E as negociações sobre como —ou mesmo se— restaurar a ajuda parecem estagnadas.

Às vezes vemos manchetes descrevendo esta crise como resultado da "disfunção do Congresso". Esses títulos revelam um grave caso de ambiguidade —a aversão quase patológica de alguns na mídia a pôr a culpa no lugar apropriado.

Bandeira norte-americana em Nova York, Estados Unidos - Johannes Eisele/AFP

Os deputados democratas aprovaram um projeto de lei feito especificamente para lidar com essa confusão dois meses e meio atrás. O governo Trump e os senadores republicanos tiveram tempo de sobra para propor uma alternativa. Em vez disso, eles só se dedicaram ao problema dias antes do término dos benefícios. E mesmo agora se recusam a oferecer qualquer coisa que possa aliviar significativamente a dificuldade dos trabalhadores.

Trata-se de um incrível fracasso da governança, exatamente no manejo inadequado da própria pandemia. Mas o que explica isso?

Bem, eu tenho duas ideias. Foi malevolência ignorante, ou ignorância malévola?

Vamos falar primeiro sobre a ignorância.

A recessão da covid, iniciada em fevereiro, pode ter sido o declínio empresarial mais simples e abrangente da história. Grande parte da economia dos Estados Unidos foi colocada em suspensão para conter a pandemia. As perdas de empregos se concentraram em serviços não essenciais ou que poderiam ser adiados, e tinham grande probabilidade de disseminar o coronavírus: restaurantes, viagens aéreas, consultas a dentistas.

O principal objetivo da política econômica foi tornar tolerável esse bloqueio temporário, sustentando a renda daqueles que não podiam trabalhar.

Os republicanos, no entanto, não deram sinais de entender nada disso. As propostas de políticas apresentadas por assessores da Casa Branca são quase surreais em sua desconexão da realidade. Cortar impostos da folha de pagamento de trabalhadores que não podem trabalhar? Permitir que os empresários deduzam o custo total de almoços com três martinis que eles não conseguem comer?

Eles nem parecem entender a mecânica de como os cheques de desemprego são pagos. Propuseram benefícios contínuos por um breve período enquanto as negociações continuam —mas isso literalmente não pode ser feito, porque os departamentos estaduais que desembolsam a ajuda ao desemprego não conseguiriam fazer a reprogramação necessária.

Acima de tudo, os republicanos parecem obcecados pela ideia de que os benefícios ao desemprego estão deixando os trabalhadores preguiçosos e sem vontade de aceitar empregos.

Seria uma afirmação bizarra, mesmo que os benefícios ao desemprego realmente estivessem reduzindo o incentivo a procurar trabalho. Afinal, há mais de 30 milhões de trabalhadores recebendo benefícios, mas apenas 5 milhões de vagas de emprego. Não importa o quão severamente você trate os desempregados, eles não podem aceitar empregos que não existem.

É quase uma preocupação secundária observar que quase não há evidências de que os subsídios aos desempregados estejam, de fato, desencorajando os trabalhadores a aceitar empregos. Vários estudos não encontraram efeito de incentivo significativo.

E os benefícios ao desemprego não impediram os EUA de adicionar 7 milhões de empregos, a maioria deles para trabalhadores com baixos salários —ou seja, exatamente os que recebem mais no desemprego do que em seus empregos normais— durante a abortada recuperação da primavera.

A propósito, a grande maioria dos economistas acredita que os benefícios a desempregados ajudaram a sustentar a economia como um todo, apoiando os gastos dos consumidores.

Portanto, o ataque à ajuda ao desemprego está enraizado em profunda ignorância. Mas há também um forte elemento de maldade.

Os republicanos têm uma longa história de sugerir que os desempregados são fracassados morais, que preferem ficar em casa assistindo TV a trabalhar. E os anos de Trump foram marcados por um ataque implacável aos programas de ajuda aos menos afortunados, do Obamacare aos cupons de alimentação.

Um indicador da falsidade republicana é o repentino ressurgimento de "falcões deficitários", alegando que ajudar os desempregados aumentará muito a dívida interna. Uso as citações assustadoras porque, até onde sei, nenhum dos políticos que afirmam que não podemos ajudar os desempregados levantou objeções ao corte de impostos de US$ 2 trilhões dado por Donald Trump para empresas e ricos.

O desdém pelos desafortunados também não foi o único motivo pelo qual o Partido Republicano não quis ajudar os americanos necessitados. A recente reportagem na Vanity Fair sobre por que não temos uma estratégia nacional de testes se encaixa em muitas evidências de que os republicanos passaram meses acreditando que a covid-19 era um problema dos estados democratas, irrelevante para as pessoas com quem eles se importavam. Quando perceberam que a pandemia estava explodindo no Cinturão do Sol, era tarde demais para evitar um desastre.

Neste ponto, então, é difícil ver como evitarmos mais uma catástrofe gratuita. A imprudência do governo Trump e seus aliados significa que milhões de americanos em breve estarão em apuros financeiros.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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