Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu Eleições EUA 2020

QAnon é a última e melhor chance de Trump

É seguro prever que os próximos dias serão cheios de avisos sobre acontecimentos terríveis que não estão realmente acontecendo

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A Convenção Nacional Democrata, na semana passada, foi principalmente sobre decência –sobre retratar Joe Biden e seu partido como boas pessoas que darão o melhor de si para curar uma nação abalada por uma pandemia e uma depressão. Houve muitas advertências terríveis sobre a ameaça do trumpismo; houve um franco reconhecimento do preço cobrado pela doença e o desemprego; mas, em geral, a mensagem foi surpreendentemente otimista.

A Convenção Nacional Republicana desta semana, por outro lado, por mais positivo que seja seu tema oficial, será QAnon o tempo todo.

Não quero dizer que haverá discursos especiais afirmando que Donald Trump está nos protegendo de uma trama imaginária de pedófilos liberais, embora tudo seja possível. Mas é seguro prever que os próximos dias serão cheios de avisos do tipo QAnon sobre acontecimentos terríveis que não estão realmente acontecendo e conspirações maléficas que não existem de fato.

Afinal, esse tem sido o estilo de Trump desde o primeiro dia de sua presidência.

FILE -- A woman holds up a hat with a Q on it, denoting QAnon, during a rally with President Donald Trump in Avoca, Penn., Aug. 2, 2018. Fans of the pro-Trump conspiracy theory are clogging anti-trafficking hotlines, infiltrating Facebook groups and raising false fears about child exploitation. (Al Drago/The New York Times)
Mulher segura gorro com a letra Q, evocando a teoria conspiratória QAnon, durante um comício do presidente Donald Trump, em 2018 - Al Drago - 2.ago.2018/The New York Times

Os novos presidentes tradicionalmente usam seus discursos de posse para transmitir uma mensagem de esperança e união, mesmo em tempos difíceis: "A única coisa que devemos temer é o próprio medo".

Trump, no entanto, ofereceu uma visão da "carnificina americana", em particular de cidades do interior devastadas por crimes violentos. Sua retórica era feia, com claras implicações raciais, mas também tinha outro problema: não mostrava nenhuma relação com a realidade. Trump assumiu o cargo em um país cuja taxa de crimes violentos vinha caindo há décadas; nossas grandes cidades estavam mais seguras que nunca.

O mesmo padrão de tentar causar pânico nos americanos sobre ameaças inexistentes é recorrente em todo esse governo. Se você obtém informações de autoridades do governo ou da Fox News, provavelmente acredita que milhões de imigrantes no país votaram ilegalmente de forma fraudulenta, embora a verdadeira fraude eleitoral raramente aconteça; que os protestos do Black Lives Matter, que com algumas exceções foram notavelmente não violentos, transformaram grandes cidades em ruínas fumegantes; e mais.

Por que essa fixação em ameaças fantasmas? Sempre houve um estilo paranoico na política americana que vê conspirações sinistras por trás da mudança social e cultural –um estilo que remonta ao medo dos imigrantes católicos no século 19. Aqueles que se lembram da década de 1990 sabem que teorias conspiratórias do tipo QAnon existem há décadas; elas acabam de se tornar mais visíveis graças às redes sociais e a um presidente que atribui todos os seus fracassos às maquinações do "Estado profundo".

Além disso, no entanto, grande parte do enfoque em ameaças imaginárias representa uma reação defensiva de pessoas que demonstraram repetidamente, mesmo antes de o coronavírus atacar, que não têm ideia de como fazer política, ou seja, lidar com ameaças reais.

Afinal, os Estados Unidos no dia em que Trump assumiu o cargo não eram uma utopia. A economia em geral estava bem, com crescimento estável do emprego e queda do desemprego –tendências que continuaram, sem interrupção visível, nos três anos seguintes. Mas partes do país sofreram com a fraqueza econômica persistente e o baixo índice de emprego. Os homicídios eram poucos, mas as "mortes por desespero" causadas por drogas, suicídio e álcool aumentavam drasticamente.

Portanto, um presidente que realmente se importasse com a carnificina americana teria muito trabalho a fazer.

Mas Trump nem sequer tentou. Sua resposta ao declínio regional foi na verdade uma guerra comercial que, afinal, reduziu o emprego industrial. O resto de sua política econômica foi o cardápio republicano padrão, enfocado em cortes de impostos corporativos que nem sequer aumentaram o investimento das empresas. Sua única reação visível à crise dos opioides foi um movimento para retirar o seguro-saúde de milhões de pessoas.

Depois veio a Covid-19 –que, aliás, já matou muito mais americanos do que foram assassinados na década anterior à posse de Trump. E a resposta do governo, além da promoção ocasional de panaceias, consistiu apenas em negar e insistir que a coisa toda iria desaparecer milagrosamente.

Em outras palavras, Trump não consegue conceber políticas que respondam às necessidades reais da nação, nem está disposto a ouvir aquelas que podem. Ele nem vai tentar. E, em algum nível, ele e as pessoas ao seu redor parecem cientes de sua inadequação básica para o cargo de presidente.

O que ele e elas podem fazer, entretanto, é citar ameaças imaginárias que agradem aos preconceitos de seus apoiadores, juntamente com teorias da conspiração que repercutem em seu medo e sua inveja das "elites" sabichonas. O QAnon é apenas o exemplo mais ridículo desse gênero, que retrata Trump como o herói que nos defende do mal invisível.

Se tudo isso parece loucura, é porque é. E quase certamente não é uma tática política capaz de conquistar a maioria dos eleitores americanos. Poderia, no entanto, assustar um número de pessoas suficiente para que, combinado com a supressão de votos e a natureza não representativa do Colégio Eleitoral, Trump se mantenha no poder, por pouco.

Não acho que essa estratégia desesperada dará certo. Mas é tudo o que resta para Trump. A única coisa que pode lhe dar esperança é o medo em si –um terror sem nome, irracional e injustificado, baseado em absolutamente nada real.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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