Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

O complô republicano para sabotar 2021

Republicanos já estão agindo como se o ano que vem não existisse

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Ninguém sabe ao certo quem vencerá em novembro. Joe Biden está em vantagem no momento, mas se considerarmos as incertezas do colégio eleitoral e as surpresas que Trump e seus adeptos podem aprontar em outubro –e todos sabem que elas virão—, o resultado ainda é incerto.

Uma coisa que já está clara, no entanto, é que os republicanos —não só Donald Trump, mas todo o partido– estão agindo como se não houvesse amanhã. Ou, mais precisamente, como se não houvesse o ano que vem.

E isso significa que, caso Biden vença, ele terá de governar frente a uma sabotagem interminável de suas políticas pelos adversários.

Para compreender o que quero dizer sobre agir como se o ano que vem não existisse, considere o grande (e ilegal) comício que Trump realizou em um ambiente fechado, domingo em Nevada.

Antes do lançamento do novo livro de Bob Woodward, seria possível argumentar que Trump não acredita na ciência e talvez não compreendesse que um evento como esse bem pode causar o adoecimento e morte de muitas pessoas. Mas agora sabemos que ele está, e sempre esteve, bem ciente dos riscos. Só não se incomoda com eles.

Ou considere as semanas de silêncio e inação de Trump diante dos incêndios que avassalam os estados do oeste do país. É verdade que ele não vai vencer na Califórnia, Oregon ou no Estado de Washington. Mas ele é supostamente o presidente dos Estados Unidos, e não apenas dos estados que preferem os republicanos.

Além disso, esses estados respondem por quase 19% da economia americana; seria de imaginar que ele se preocupa com os danos que estão sofrendo, que terminará por afetar o restante do país. Mas é evidente que isso não acontece.

Para mim, no entanto, a demonstração mais clara da recusa republicana a pensar no futuro é o fato de que nada foi feito para aliviar o sofrimento dos norte-americanos desempregados —que perderam muitos dos benefícios que os estavam amparando no final de julho– ou a crise fiscal iminente nos governos estaduais e municipais.

Li diversos boletins de negócios que tentam oferecer orientação sobre futuros desdobramentos econômicos e de políticas públicas; no começo do trimestre, a maioria deles previa que a Câmara dos Deputados, controlada pelos democratas, e o Senado, controlado pelos republicanos, chegariam a alguma forma de compromisso sobre medidas de assistência econômica. Os desempregados continuariam a receber assistência expandida, mesmo que em valor inferior ao suplemento de US$ 600 por semana que vinham obtendo nos termos da Lei CARES; e os governos locais receberiam ajuda significativa, embora inferior à que os democratas desejavam.

Mas não houve acordo, apenas memorandos executivos de Trump que autorizavam alguns pagamentos adicionais e uma resposta ilusória que já se esgotou. O que aconteceu?

Minha interpretação é que, enquanto os democratas aprovaram um projeto de lei de assistência que devia servir de ponto de partida a negociações, em maio, os republicanos enrolaram, impedidos de agir tanto pela linha dura direitista quanto por suas fantasias de uma recuperação econômica em forma de V. E quando enfim perceberam que suas fantasias não se realizariam, era tarde demais para tomar medidas que tivessem grande impacto sobre a eleição. Assim, por que se incomodar em fazer qualquer coisa?

Ou seja, é como se os republicamos não tivessem a expectativa de vencer e, caso o façam, encontrarão alguma maneira de lidar com a bagunça.

Um observador ingênuo bem poderia esperar que políticos levem em conta o interesse nacional, e não apenas as fortunas políticas de seu partido. Mas não esses políticos, e não esse partido.

Tudo isso tem implicações ameaçadoras para a situação do país nos meses e talvez nos anos posteriores à eleição.

Suponha que Biden vença (o que não é uma suposição segura) e que ele o faça sem que Trump e seus partidários gerem uma crise constitucional profundamente perturbadora (o que certamente não é uma suposição segura). Mesmo assim, ainda restariam dois meses nos quais os republicanos ainda deteriam a Casa Branca e o controle do Senado.

Tradicionalmente, os governos em fim de mandato tentam facilitar as coisas para seus sucessores. Se você acredita que isso vai acontecer desta vez, olha, tenho quilômetros e mais quilômetros de muralha de fronteira paga pelo México que você talvez esteja a fim de comprar.

O que acontecerá de fato, na melhor das hipóteses, é coisa alguma: nenhuma ação para limitar a difusão do coronavírus, nenhuma assistência financeira às famílias e governos locais em crise. E alguém gostaria de apostar contra ações deliberadas para tornar as coisas piores?

Assim, se Biden assumir em 20 de janeiro, ele será o segundo presidente democrata em seguida a herdar uma nação em crise, mas dessa vez uma crise muito pior do que a encarada por Barack Obama.

Você se lembra de que em 2011 os republicanos da Câmara fizeram o país de refém, ameaçando forçar um calote da dívida nacional a menos que Obama cedesse às suas demandas? E isso foi obra do Partido Republicano antes de Trump —já uma organização extremista mas não no grau atual.

As coisas serão melhores caso os democratas consigam o controle do Senado, além da Casa Branca. Mas ainda assim Biden enfrentará constante obstrução. Meu palpite é que, não importa o que digam hoje, os democratas se verão forçados a alterar o regimento do Congresso para impedir obstruções fúteis e tornar o país governável.

O ponto é que, embora uma vitória de Biden, caso aconteça, salve a democracia americana de um colapso imediato, ela não bastará para curar a doença de nosso organismo político.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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