Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Por que Biden terá de gastar muito dinheiro

Argumentos econômicos em favor de investir apesar do déficit são esmagadores

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Qual deveria ser a política econômica de Joe Biden caso ele vença (e os democratas conquistem o controle do Senado, para que ele tenha a capacidade de aprovar leis)? Tenho praticamente certeza de que sei o que os conselheiros econômicos dele pensam que deveria fazer, mas não estou tão seguro de que o pessoal de sua equipe política compreenda plenamente a situação, e me preocupo com a possibilidade de que a imprensa fique chocada com o custo das medidas –ou seja, que os jornalistas não estejam preparados para o preço daquilo que ele deveria propor e provavelmente proporá.

Assim, eis o que todo mundo deveria compreender: dado o estado atual e o provável estado futuro da economia dos Estados Unidos, é hora de (a) gastar muito dinheiro para garantir o futuro, e (b) não se preocupar sobre de onde virá esse dinheiro. Por enquanto, e pelo menos durante os próximos anos, gastar dinheiro em grande escala mesmo que em valor muito superior à arrecadação não só é aceitável como na verdade se trata da única coisa responsável que o governo pode fazer.

A coluna de hoje tratará da economia; falarei sobre o aspecto político outro dia.

O candidato democrata à Presidência participa de evento de campanha na Flórida
O candidato democrata à Presidência, Joe Biden, participa de evento de campanha na Flórida - Chip Somodevilla - 13.out.2020/Getty Images/AFP

Para começar: se Biden tomar posse em janeiro, ele herdará um país ainda devastado pelo coronavírus. Trump não para de repetir que estamos “saindo da crise”, mas a realidade é que o número de casos e de internações continua em alta (e qualquer pessoa que espere que um governo Trump em finalzinho de mandato e derrotado em sua tentativa de reeleição tome medidas efetivas contra a pandemia está vivendo no mundo dos sonhos). E não poderemos ter uma recuperação econômica plena enquanto a pandemia continuar fervilhando.

O que isso significa é que será crucial implementar uma nova rodada de alívio fiscal em larga escala, especialmente assistência aos desempregados e aos governos locais e estaduais que enfrentam crises de caixa. O principal propósito dessas medidas seria humanitário –ajudar famílias a pagar o aluguel e manter comida na mesa, ajudar as grandes e pequenas cidades a evitar cortes devastadores nos serviços essenciais. Mas isso também ajudará a evitar uma espiral de depressão econômica, ao prevenir um colapso do consumo e dos gastos dos governos locais.

A necessidade de gastar muito não terminará quando a pandemia terminar, no entanto. Também precisamos investir em nosso futuro. Depois de anos de gastos públicos insuficientes, os Estados Unidos precisam desesperadamente atualizar sua infraestrutura. Deveríamos especialmente estar investindo pesado na transição para uma economia ambientalmente sustentável. E também deveríamos fazer muito mais a fim de ajudar as crianças a se tornarem adultos saudáveis e produtivos. Os Estados Unidos gastam vergonhosamente pouco em assistência às famílias, se comparados a outros países ricos.

Mas de que modo podemos pagar por todos esses investimentos? Essa não é a pergunta certa.

Às vezes ouvimos pessoas dizendo que o governo deveria ser administrado como uma empresa. Essa é uma má analogia, de muitas maneiras. Mas ainda assim vale a pena pensar naquilo que empresas inteligentes fazem quando encontram grandes oportunidades de investimento e têm acesso a capital de baixo custo: elas captam muito dinheiro.

Acabamos de estabelecer que o governo dos Estados Unidos precisa investir grandes somas no futuro do país. Mas qual é a situação no que tange a acesso ao capital? A resposta é que vivemos um período de excedente mundial de poupança –as somas que as pessoas economizam persistentemente são superiores aos valores que as empresas estão dispostas a investir. E essa situação —uma imensa poupança privada prontinha para a festa mas sem ter onde ir— se traduz em custos de captação extremamente baixos para os governos. Em fevereiro, antes que o coronavírus nos lançasse a uma recessão, a taxa de juro média sobre os títulos de longo prazo e com correção monetária do governo dos Estados Unidos era de 0,12% negativo. Sim, era inferior a zero.

Sob essas condições, seria na verdade irresponsável que o governo federal não conduzisse captação em larga escala para investir no futuro.

Mas aumentar a dívida do governo não deveria nos causar preocupação? Não.

Quando um governo é capaz de captar recursos a juros muito baixos, e particularmente quando a taxa de juros sobre as dívidas fica bem abaixo do ritmo de crescimento da economia em longo prazo, a dívida não é um grande problema. Ela não representa qualquer ameaça à solvência do governo; não concorre de qualquer maneira significativa com o investimento privado.

E, para deixar as coisas bem claras, não estou defendendo uma opinião radical e heterodoxa, aqui. A esta altura, argumentar em favor de gastos elevados cobertos por expansão do déficit e de uma atitude relaxada com relação à dívida pública é a posição dominante. Ouve-se argumentos nesse sentido vindos do antigo economista chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), de economistas centristas que tiveram postos importantes no governo Obama, e (discretamente) do chairman do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, Jerome Powell.

Analistas apartidários do setor privado também encaram de modo bem favorável o aspecto econômico das propostas de gastos de Biden. A Moody’s Analytics prevê que o PIB seria 4,5% mais alto sob as propostas de Biden do que sob as políticas adotadas por Trump até agora; nas contas do banco Goldman Sachs, o diferencial seria de 3,7%.

Portanto, temos argumentos econômicos esmagadores em favor de que Biden - caso ele vença! – realize grandes gastos públicos, primeiro para nos permitir atravessar a pandemia que ele herdará e depois para construir um futuro melhor. Mas será que a política vai atrapalhar?

É evidente que os republicanos, que calaram a boca quanto aos déficits acumulados durante o governo Trump, vão subitamente declarar que a dívida pública ameaça a sobrevivência do país, com um democrata na Casa Branca. A verdadeira questão será se os centristas e a imprensa aderirão à histeria com relação ao déficit, como fizeram no governo Obama, e se os membros da equipe de Biden perderão a coragem.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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