Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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O fantasma das futuras sabotagens na política econômica dos EUA

A economia nos próximos meses não será tão terrível quanto imaginávamos, mas e depois?

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O acordo sobre o não pacote de estímulo a que o Congresso chegou no final da semana –e estou falando sério: o pacote é de socorro pós-desastre, e não para promover o crescimento econômico– chegou em cima da hora. Na verdade, chegou tarde demais: as medidas cruciais de assistência a muitos americanos desempregados e empresas em crise expiraram meses atrás. Mas agora, parte da assistência está de volta, pelo menos por algum tempo.

É verdade que a assistência será menos generosa do que foi no segundo e terceiro trimestres: US$ 300 por semana em salário-desemprego adicional, em vez de US$ 600. Mas porque os trabalhadores ainda desempregados por conta da pandemia tendiam a ter renda baixa mesmo antes que o coronavírus chegasse, eles ainda estarão obtendo cerca de 85% da renda que tinham antes da Covid-19.

Aliás, embora os pagamentos únicos de US$ 600 a um grupo muito mais amplo de cidadãos estejam atraindo boa parte da atenção da imprensa, eles respondem por apenas uma pequena porcentagem das despesas totais e são muito menos importantes que o salário-desemprego adicional, para manter famílias à tona.

Bandeira norte-americana em Nova York, Estados Unidos - Johannes Eisele/AFP

Assim, o que desagrada, no pacote de socorro? Há algumas coisas estúpidas, como uma isenção tributária para as despesas de empresas com refeições –o combate a uma pandemia mortífera por meio de almoços regados a martínis. Mas o problema verdadeiramente sério com relação ao acordo é que a assistência econômica expirará cedo demais: os benefícios adicionais aos desempregados durarão apenas 11 semanas. E o processo pelo qual o acordo foi obtido tem implicações ameaçadoras para o futuro.

Por que 11 semanas de assistência não são suficientes? Porque não seremos capazes de iniciar uma recuperação econômica vigorosa até que uma fração suficientemente grande da população seja vacinada, o que pode não acontecer até o terceiro ou mesmo o início do quarto trimestre. E continuamos 10 milhões de postos de trabalho abaixo do nível de emprego existente antes da Covid, mesmo que sejamos capazes de recuperar empregos com a mesma rapidez com que conseguimos na falsa alvorada de maio e junho (quando o governo Trump insistia em que a pandemia estava chegando a o fim); meses se passarão antes que voltemos a nos aproximar do pleno emprego.

Assim, embora o novo pacote legislativo ofereça uma espécie de ponte para o futuro pós-Covid, é uma ponte que cobre apenas parte do rombo que nos aguarda. E a forma pela qual o projeto foi aprovado oferece poucos motivos para otimismo sobre a disposição dos republicanos de deixar que Biden conclua o trabalho.

Lembre-se de que, até recentemente, Mitch McConnell mostrava pouco interesse em aprovar qualquer pacote de assistência. E não há mistério sobre o que o levou a mudar de ideia: o segundo turno das eleições para o Senado na Geórgia. “Kelly [Loeffler] e David [Perdue] estão sendo massacrados” por conta da insistência republicana em negar assistência, disse McConnell aos seus aliados políticos.

Quando essas disputas terminarem, em 5 de janeiro, McConnell com certeza perderá o interesse pelo assunto, uma vez mais. E a menos que os democratas conquistem as duas cadeiras, ele continuará a ser o líder da maioria no Senado, e estará em posição de atrapalhar qualquer novo pacote de assistência econômica.

Além disso, os obstáculos finais para a obtenção de um acordo foram um lembrete de algo que aprendemos durante a presidência de Barack Obama: quando um democrata está na Casa Branca, os republicanos tentam sabotar a economia. E a sabotagem não se limita ao uso de falsas preocupações quanto a déficits para bloquear gastos necessários; também inclui elevar deliberadamente o risco de crise financeira.

Lembre-se de que a trapaça republicana quando Obama era presidente ia além da adoção de uma linha dura sobre o déficit a fim de bloquear medidas necessárias de estímulo fiscal. Também envolvia críticas constantes e assédio contra o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, em seus esforços para resgatar a economia. E agora isso está voltando a acontecer.

Um retrospecto necessário: ainda que a recessão da pandemia tenha sido profunda e destrutiva, existia a possibilidade de que fosse ainda pior. Por algumas semanas, em março, os Estados Unidos oscilaram à beira de uma crise financeira semelhante ao colapso que se seguiu à quebra do banco Lehman Brothers em 2008. Felizmente, porém, essa crise incipiente foi contida rapidamente pelo Fed, que estabilizou os mercados ao adquirir trilhões de dólares em ativos financeiros e ao deixar claro que estava preparado para fazer ainda mais, caso necessário.

Foi um trabalho bem feito. Mas o risco de crise financeira não desapareceu, e por isso desejamos garantir que o Fed disponha dos instrumentos necessários e enfrentar desafios futuros.

Mas no mês passado, Steve Mnuchin, que graças a Deus está deixando o posto de secretário do Tesouro, cancelou sem motivo centenas de bilhões de dólares em apoio a programas de empréstimo de emergência do Fed, tornando essas verbas indisponíveis para seu sucessor. E as negociações sobre o pacote de assistência quase soçobraram por conta de uma exigência de último minuto do senador Pat Toomey, apoiada pela liderança republicana, por uma medida que proibisse o Fed de reiniciar alguns desses programas ou qualquer coisa semelhante a eles.

No final, o veneno que eles desejavam incluir no pacote parece ter sido evitado, por meio de terminologia que impede que programas exatamente iguais sejam adotados mas deixa espaço para programas ligeiramente diferentes que atingiriam os mesmos resultados.

Mas o episódio foi uma amostra do que está por vir. Caso outra crise se desenvolva, pode esperar que os republicanos farão todo o possível para prevenir uma resposta efetiva.

Assim, como deveríamos nos sentir a respeito do pacote de assistência? O lado positivo é que, para milhões de famílias americanas, os próximos meses serão menos infernais do que poderia ser o caso. O lado negativo é que, a menos que os democratas conquistam as cadeiras da Geórgia no Senado, o segundo trimestre será horrível, e teremos anos de sabotagem econômica pela frente.

Tradução de Paulo Migliacci

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