Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Um golpe que estava por acontecer havia décadas

Um aspecto notável do 'putsch' do Capitólio é que nenhuma das queixas dos rebelados tinha qualquer base na realidade

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Não, a eleição não foi roubada –não existem provas de fraudes eleitorais significativas. Não, os democratas não são parte de uma conspiração de pedófilos satanistas. Não, eles não são marxistas radicais –mesmo a ala progressista do partido seria considerada como de esquerda moderada em qualquer outra democracia ocidental. Assim, a raiva toda se baseia em mentiras. Mas o que é quase tão notável quanto as fantasias dos arruaceiros é o número muito baixo de líderes republicanos que se dispôs, apesar da violência e do Congresso profanado, a dizer à turba do MAGA que suas teorias de conspiração são falsas.

Tenha em mente que Kevin McCarthy, o líder da minoria republicana na Câmara dos Deputados, e dois terços de seus colegas votaram contra aceitar os resultados do colégio eleitoral mesmo depois da invasão do Congresso. (McCarthy, em seguida, desavergonhadamente lamentou a “divisão”, declarando que “demos buscar a parte melhor de nossa natureza”).

Ou considere o comportamento de republicanos importantes que não são usualmente considerados extremistas. No domingo, o senador Rob Portman declarou que “precisamos restaurar a confiança na integridade do nosso sistema eleitoral”. Portman não é estúpido; ele deve saber que o único motivo para que tantas pessoas duvidem dos resultados da eleição é que membros de seu partido deliberadamente fomentaram a dúvida. Mas ele ainda assim mantém o fingimento.

E o cinismo e a covardia da liderança republicana são, eu argumentaria, a causa mais importante do pesadelo que nosso país está vivendo. É claro que precisamos compreender os motivos de nossos inimigos internos da democracia. Em geral, os cientistas políticos consideram –e não surpreende, dada a história política dos Estados Unidos– que o antagonismo racial é o fator mais acurado para prever a disposição de aceitar violência política. E casos individuais indicam que frustrações pessoais –muitas vezes envolvendo interações sociais e não “ansiedade econômica”– também parecem propelir muitos dos extremistas.

Mas nem o racismo e nem a atração generalizada por teorias da conspiração são novidades em nossa vida política. A visão de mundo descrita por Richard Hofstadter no clássico ensaio “O Estilo Paranoico na Política Americana”, de 1964, é extremamente semelhante à posição dos que acreditam na teoria de conspiração QAnon hoje.

Ou seja, não existe muita vantagem a extrair de entrevistas com sujeitos de boné vermelho em lanchonetes; sempre houve pessoas como eles. Se hoje elas existem ou parecem existir em número maior do que no passado, isso provavelmente tem menos a ver com terem mais motivos para queixas do que com um encorajamento externo ampliado.

Pois a maior coisa que mudou desde que Hofstadter escreveu sua análise é que agora um de nossos grandes partidos políticos se dispõe a tolerar a, e na verdade a se alimentar da, paranoia política de direita.

Acalentar os malucos inicialmente foi motivado quase inteiramente pelo cinismo. Quando o Partido Republicano começou a se mover para a direita, na década de 1970, sua verdadeira agenda era principalmente econômica –o que seus líderes desejavam, acima de tudo, era desregulamentação e cortes de impostos para os ricos. Mas o partido precisava de algo mais que a plutocracia para vencer eleições, e assim começou a cortejar os eleitores brancos de classe trabalhadora com apelos muito mal disfarçados ao racismo.

Não incidentalmente, a supremacia branca sempre foi sustentada pela supressão de direitos eleitorais. Assim, não deveria surpreender que os direitistas uivem em protesto contra uma eleição manipulada –afinal, manipular eleições é o que o lado deles está acostumado a fazer. E não está claro em que medida eles de fato acreditam que a eleição foi manipulada, em contraposição a estarem enfurecidos por a manipulação eleitoral que eles em geral praticam não ter tido sucesso desta vez.

Mas a questão não é apenas raça. Desde Ronald Reagan, o Partido Republicano está estreitamente vinculado à direita cristã de linha dura. Qualquer pessoa que se sinta chocada com a prevalência de teorias da conspiração insanas em 2020 deveria reler “The New World Order”, publicado pelo evangelista televisivo Pat Robertson, aliado de Reagan, em 1991, que retratava um país sob ameaça de uma cabala de banqueiros judeus, maçons e ocultistas. Ou ver um vídeo promovido em 1994 por outro líder evangélico, Jerry Falwelll pai, intitulado “The Clinton Chronicles”, que retrata Bill Clinton como contrabandista de drogas e assassino serial.

O que mudou, de lá para cá? Por muito tempo, a elite republicana imaginou que poderia explorar o racismo e as teorias da conspiração e manter o foco na agenda plutocrática. Mas com a ascensão primeiro do Tea Party e depois de Donald Trump, os cínicos descobriram que na verdade os malucos estavam no controle, e que o objetivo destes era destruir a democracia, e não reduzir a alíquota do imposto sobre ganhos de capital.

E a elite republicana, com raras exceções, aceitou seu novo status subserviente.

Há quem talvez tenha esperado que número significativo de políticos republicanos sãos enfim dessem um basta e rompessem com seus aliados extremistas. Mas o partido de Trump não reagiu à sua corrupção e abuso de poder; manteve o apoio quando ele se recusou a aceitar a derrota eleitoral; e alguns de seus membros estão reagindo a um violento ataque ao Congresso com queixas sobre a perda de seguidores no Twitter.

E não existe motivo para acreditar que as atrocidades que estão por vir –e haverá mais atrocidades– farão diferença. O Partido Republicano chegou à culminação de sua longa jornada para longe da democracia, e é difícil acreditar que seja possível redimi-lo.

Tradução de Paulo Migliacci

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