Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Por que a desregulamentação do setor de energia nos EUA fracassou

Onda de frio no Texas demonstra que toda a filosofia por trás da política de energia do estado está errada

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Ninguém jamais está completamente preparado para um desastre natural. Quando furacões, tempestades ou tsunamis nos atingem, eles sempre revelam pontos fracos –falta de planejamento, falta de investimento em precauções.

O desastre no Texas, porém, foi diferente. O colapso da grade de energia do estado não revelou apenas alguns poucos problemas. Demonstrou que toda a filosofia por trás da política de energia do estado está errada. E também demonstrou que o Texas é governado por pessoas que não hesitam em recorrer a mentiras gritantes, em lugar de admitirem seus próprios erros.

O Texas não é o único estado americano com um mercado de eletricidade em geral desregulamentado. Mas levou a desregulamentação mais longe do que qualquer outro lugar. Existe um limite máximo para os preços da eletricidade no atacado, mas ele é estratosfericamente alto. E praticamente não existe regulamentação prudencial –nenhuma exigência de que as empresas de energia mantenham capacidade de reserva ou invistam em coisas como isolamento, a fim de limitar os efeitos de eventos climáticos extremos.

A teoria era a de que regulamentação como essa era desnecessária porque a magia do mercado tomaria conta de tudo. Afinal, uma disparada na procura ou um desordenamento na oferta –duas coisas que aconteceram em meio ao congelamento generalizado– conduzirão a preços altos e com isso a grandes lucros para qualquer fornecedora de eletricidade que conseguir continuar operando. Assim, supostamente existiam incentivos para investir em sistemas robustos, exatamente para tirar vantagem de acontecimentos como os que o Texas acaba de experimentar.

A política de energia do Texas se baseava na ideia de que a eletricidade pode ser tratada exatamente como os avocados. Alguém se lembra da grande escassez de avocados de 2019? A disparada na demanda e uma má safra na Califórnia resultaram em uma disparada de preços, mas ninguém pediu por uma investigação especial e pela regulamentação dos produtores.

Na verdade, existem pessoas que nada veem de errado naquilo que aconteceu no Texas na semana passada. William Hogan, professor da Universidade Harvard considerado por muitos como o arquiteto do sistema texano, afirmou que as altas drásticas de preços, embora “inconvenientes”, representavam a maneira pela qual o sistema deveria mesmo funcionar.

Mas quilowatts-hora não são abacates, e existem pelo menos três razões para que fingir que o sejam constitua uma receita para um desastre.

Para começar, a eletricidade é essencial para a vida moderna de uma forma que poucas outras commodities são; uma pessoa pode passar alguns dias sem suas torradas de avocado e não morrerá por isso; mas não pode ficar sem eletricidade, especialmente quando sua casa depende da rede elétrica para aquecimento.

E é extremamente duvidoso que mesmo a perspectiva de lucros extremamente elevados durante uma escassez represente incentivo suficiente para que os fornecedores decidam levar em conta os imensos custos humanos e econômicos de uma falta de energia prolongada.

Segundo, a eletricidade é fornecida por um sistema –e investimento cautelar por um dos integrantes do sistema não dá resultados se os demais não fizerem o mesmo. Se o proprietário de uma usina de energia acionada por gás natural isolar e proteger suas turbinas contra o inverno, ela ainda assim não poderá funcionar caso os gasodutos não lhe entreguem combustível ou os poços dos quais o gás é extraído congelem.

Assim, o mercado livre pode garantir que o sistema inteiro funcione, em condições de crise? Provavelmente não.

Por fim, mas não menos importante, um sistema que dependa de preços extremamente altos em momentos de crise não é funcional, quer em termos práticos, quer em termos políticos.

No começo, os texanos que não ficaram sem energia durante o grande congelamento se consideraram sortudos. Mas as contas começaram a chegar e algumas famílias descobriram que teriam de pagar milhares de dólares por alguns dias de eletricidade.

É provável que muitas famílias não tenham condições de pagar as contas, e por isso estamos potencialmente diante de uma onda de falências pessoais. E mesmo as pessoas que não estão enfrentando a possibilidade de ruína estão indignadas.

A declaração mais reveladora sobre a crise do Texas talvez tenha vindo, surpreendentemente, em um tuite do senador republicano Ted Cruz (Cancún), que se irritou e disse que “nenhuma empresa de energia deveria abocanhar lucros extraordinários por causa de um desastre natural”, e apelou que “as autoridades regulatórias locais e estaduais” agissem para “impedir essa injustiça”.

O senador, que não é conhecido por sua consciência, pode não ter percebido o que fez, com essa declaração. Mas se mesmo Ted Cruz –Ted Cruz!– acredita que as autoridades regulatórias deveriam impedir que as empresas de energia colham lucros extraordinários com o desastre, isso elimina qualquer incentivo financeiro ao setor privado para que se prepare para um desastre. O que por sua vez destrói toda a premissa da desregulamentação radical.

Assim, será que os republicanos, que detêm todos os cargos eletivos estaduais no Texas, aprenderão com esse fiasco e repensarão toda a sua abordagem quanto à política de energia? É claro que não. Sua reação imediata foi atribuir a culpa pela crise, falsamente, à energia eólica, e atacar os proponentes do Green New Deal –embora algo parecido com o Green New Deal, ou seja, investimento público em infraestrutura de energia– seja exatamente aquilo de que o Texas precisa.

E uma coisa que certamente aprendemos nos últimos meses é que quando os políticos decidem aderir a uma Grande Mentira, quer ela envolva epidemiologia, economia ou resultados eleitorais, eles jamais voltam atrás.

E embora o complexo político e de mídia da direita não queira e não vá aprender coisa alguma com o fiasco da energia no Texas, os demais de nós podemos fazê-lo. Acabamos de vislumbrar o lado escuro (e gélido) do fundamentalismo de livre mercado. E foi uma lição que não deveríamos esquecer.

Tradução de Paulo Migliacci

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