Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Excesso de opções prejudica os EUA

Aprendendo com crédito hipotecário, planos de saúde e eletricidade

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Dan Patrick, o vice-governador do Texas, é claramente o que meu pai chamaria de "uma peça".

No início da pandemia ele ganhou manchetes ao dizer que os americanos idosos deveriam aceitar o risco de morte para que os mais jovens pudessem "voltar ao trabalho". Mais recentemente, ele sugeriu que os texanos que se depararam com contas de eletricidade de US$ 17 mil (R$ 94,9 mil) depois do congelamento em fevereiro só podiam culpar a si mesmos, porque "não leram a letra miúda".

Não é engraçado como os políticos que denunciam os elitistas liberais escarnecem dos americanos comuns quando estes enfrentam problemas?

Mas outra coisa me marcou na interpretação de Patrick sobre as contas de eletricidade enormes: que nos tornamos um país onde as famílias podem se arruinar se não estudarem cuidadosamente algo tão banal, normalmente rotineiro, quanto seu contrato de eletricidade?

E a eletricidade não é o único exemplo.

Como documentou Margot Sanger-Katz, do Times, muitas pessoas acabam tendo grandes dívidas financeiras porque escolheram o seguro-saúde errado –mas até especialistas têm muita dificuldade para entender qual é o melhor plano. Usar um provedor de saúde "fora da rede" também pode ocasionar contas médicas vultosas.

Espere, tem mais. Uma causa da crise financeira de 2008 foi a proliferação de novos acordos financeiros, como empréstimos baseados apenas em juros, que pareciam bons negócios, mas expunham os mutuários a riscos enormes.

O que essas histórias têm em comum é que elas são instantâneos de um país em que muitas pessoas têm opções demais, de maneiras que podem causar grande prejuízo.

É verdade que tanto a ciência econômica básica quanto a ideologia conservadora dizem que mais opções sempre são uma coisa positiva. A famosa e influente série de TV de Milton Friedman de 1980 exaltando as maravilhas do capitalismo intitulava-se "Livre para Escolher".

A disseminação dessa ideologia transformou os Estados Unidos em um país onde muitos aspectos da vida que costumavam ser apenas parte do pano de fundo hoje exigem decisões potencialmente fatídicas.

Você não recebe uma aposentadoria da firma, você tem de decidir como investir seu fundo de aposentadoria 401(k). Quando você completa 65 anos, não é simplesmente colocado no plano de saúde do governo, Medicare; também deve decidir em qual dos planos Medicare Advantage vai se inscrever.

Você não recebe simplesmente serviço de telefone e energia, também tem de escolher entre uma ampla gama de alternativas.

Uma parte, talvez a maior, dessa expansão das opções foi boa. Não tenho saudade do tempo em que todos os telefones domésticos eram propriedade da AT&T e os clientes não podiam trocar seus próprios aparelhos.

Mas a discussão de que mais opções são sempre boas repousa na suposição de que as pessoas têm uma capacidade mais ou menos ilimitada de cuidar devidamente de todos os aspectos de sua vida –e o mundo real não é assim. As pessoas têm filhos para criar, empregos, vidas para viver e capacidade limitada de processar informação.

E no mundo real o excesso de opções pode ser um grande problema.

A lição das hipotecas "subprime", do seguro-saúde e agora da eletricidade no Texas é que às vezes as pessoas que têm muitas opções cometerão erros maiores do que pensavam ser possível. Mas isso não é tudo. Opções demais criam espaço para predadores que exploram nossas limitações tão humanas.

Antes da crise do crédito hipotecário de risco, Edward Gramlich, uma autoridade do Federal Reserve (banco central) que avisou em vão sobre o potencial desastroso, perguntou: "Quais são os produtos de crédito mais arriscados vendidos aos mutuários menos sofisticados?" A pergunta, ele sugeriu, "responde a si própria: os mutuários menos sofisticados provavelmente são enganados para aceitar esses produtos".

De modo semelhante, há claramente muita lucratividade nas contas médicas, sendo as vítimas, em número desproporcional, as menos capazes de entender o que está acontecendo.

Além disso tudo, eu poderia sugerir que um excesso de opções está cobrando um preço psicológico de muitos americanos, mesmo quando eles não acabam experimentando o desastre.

Um corpo de pesquisa cada vez maior sugere que os custos da pobreza vão além das dificuldades que as famílias de baixa renda encontram para suprir suas necessidades básicas. Os pobres também enfrentam uma pesada "carga cognitiva" –a necessidade constante de fazer as escolhas difíceis que os ricos não enfrentam, como se vão comprar comida ou pagar o aluguel.

Como as pessoas têm "largura de banda" limitada para processar questões complexas, as cargas financeiras impostas aos pobres com frequência degradam sua capacidade de tomar boas decisões sobre outros assuntos, às vezes levando a opções de vida autodestrutivas.

O que estou sugerindo é que uma sociedade que transforma o que deveriam ser preocupações rotineiras em decisões tudo-ou-nada –uma sociedade em que você pode arruinar sua vida por escolher a companhia de eletricidade ou o seguro-saúde errados– impõe dificuldades cognitivas semelhantes às da pobreza até à classe média.

E tudo isso é desnecessário. Somos um país rico –e os cidadãos de outros países ricos não se preocupam em ir à falência por causa de despesas médicas. Não seria muito difícil proteger os americanos de ser enganados por credores hipotecários ou de perderem suas poupanças da vida toda para flutuações no preço da eletricidade no atacado.

Assim, na próxima vez que algum político tentar vender uma nova política –geralmente a desregulamentação–, afirmando que ela aumentará as opções, desconfie. Ter mais alternativas não é automaticamente bom, e nos Estados Unidos provavelmente temos mais do que deveríamos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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