Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Abraçando o lado mais macio da infraestrutura

Investimentos no futuro nem sempre envolvem concreto

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The New York Times

Os republicanos estão tendo dificuldade para explicar por que são contra o Plano Americano de Empregos do presidente Biden.

Seus verdadeiros motivos não são um mistério. Eles querem que Biden falhe, assim como queriam que o presidente Barack Obama falhasse, e mais uma vez vão oferecer oposição de terra arrasada a qualquer proposta de um presidente democrata. E eles são especialmente contra programas públicos que possam ser populares, e assim ajudem a legitimar um governo ativista na mente dos eleitores.

Mas expor esses verdadeiros motivos não agradaria ao eleitorado, por isso eles estão procurando linhas de ataque alternativas. E nos últimos dias muitos republicanos parecem ter se concentrado na afirmação de que a maioria dos gastos propostos não são realmente em infraestrutura.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que apresentou um plano ambicioso de infraestrutura - Jim Watson - 25.mar.2021/AFP

Sendo eles quem são, não podem deixar de ir a extremos ridículos, e suas alegações de que só uma pequena porcentagem da proposta é infraestrutura "real" são facilmente derrubadas. A única maneira de chegar a algum lugar próximo de seus números é declarar, bizarramente, que só despejar concreto para o transporte conta, o que significa excluir gastos em coisas essenciais para uma economia moderna como água limpa, eletricidade confiável, acesso a banda larga e outras.

É verdade, entretanto, que grande parte dos gastos propostos envolve apoio a coisas intangíveis --despesas em pesquisa e desenvolvimento, maior apoio à inovação e investimento em pessoas. Então, o que você precisa saber é que a tese para esses investimentos intangíveis é exatamente tão forte quanto a tese para se reparar estradas decadentes e pontes que desmoronam. De fato, é ainda mais forte.

Vamos começar pela tecnologia.

A ideia de que o investimento não é real se não envolver aço e concreto seria uma novidade para o setor privado. É verdade, lá nos anos 1950, cerca de 90% dos gastos em investimento das empresas foram em equipamento e estruturas. Mas hoje em dia mais de um terço do investimento das empresas é em "propriedade intelectual", principalmente P&D e compras de software.

As empresas, portanto, acreditam que podem alcançar resultados reais investindo em tecnologia --visão ratificada pelo mercado de ações, que hoje atribui um alto valor às companhias com relativamente poucos ativos tangíveis. O governo pode fazer o mesmo? Sim, pode. Na verdade, o governo Obama fez isso.

O investimento em tecnologia, especialmente em energia renovável, foi só uma fração do estímulo de Obama, mas é a parte que recebeu as piores críticas. Lembra-se de como os republicanos reclamaram sem parar de que as garantias de empréstimos para a companhia de energia solar Solyndra deram errado?

O negócio é que, se sua estratégia tecnológica só produz vencedores, você não está assumindo riscos suficientes. Os investidores privados não esperam que toda aposta dê certo; três em cada quatro startups apoiadas por capital de risco fracassam. A questão é se há sucessos suficientes para justificar a estratégia.

E o investimento de Obama em tecnologia verde produziu muitos sucessos. Você provavelmente ouviu falar na Solyndra; e ouviu falar no papel crucial de um empréstimo de US$ 465 milhões a uma empresa chamada Tesla?

Mais geralmente, os anos após 2009 foram marcados por um progresso espetacular em energia renovável, com a eletricidade solar e eólica em muitos casos hoje mais baratas que a de combustíveis fósseis. Ainda há pessoas que parecem imaginar que a energia verde é coisa de hippies cabeludos, mas a realidade é que é a onda do futuro.

Não sabemos quanto desse progresso pode ser atribuído ao estímulo de Obama, mas ele certamente desempenhou um papel.

E que tal os gastos em pessoas, que correspondem a centenas de milhões e poderão ser o principal foco de uma proposta adicional? Há evidência avassaladora de que é uma boa ideia.

A verdade é que é difícil avaliar a recompensa de gastar em infraestrutura física, porque não podemos observar o fato contrário —o que teria acontecido se não construíssemos aquela ponte ou estrada. Só teremos evidência sólida sobre o valor do investimento físico se, como parece muito possível, algumas peças chaves de nossa infraestrutura desmoronarem.

Em contraste, sabemos muito sobre os efeitos de investir em pessoas, porque alguns de nossos programas mais importantes voltados para as famílias, como cupons de alimentação, foram implementados gradualmente pelo país. Isso permite que os pesquisadores comparem a trajetória de vida dos americanos que receberam ajuda quando crianças com a dos que não receberam.

Os resultados são claros. As crianças que receberam ajuda se saíram melhor do que as que não receberam em todos os aspectos: educação, saúde, renda. O retorno social da ajuda a famílias, especialmente crianças, vem a ser enorme.

As partes mais macias, menos tangíveis, da agenda de gastos de Biden —incentivo a novas tecnologias, especialmente veículos elétricos, ajuda à educação e mais amplamente às famílias com crianças —devem ser consideradas "infraestrutura"? A resposta certa é: quem se importa? Tudo é investimento produtivo no futuro do país.

E o futuro precisa de trabalho. A recuperação da pandemia deve ser apenas o começo; precisamos de uma estratégia para curar nossos antigos problemas de crescimento lento da produtividade e fraca demanda privada. Investimento público em grande escala, seja ou não a ideia de infraestrutura para algumas pessoas, é o caminho a seguir.

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

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