Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu The New York Times

A direita dos EUA aposta tudo na ignorância

Mente fechada e ignorância se tornaram valores centrais para os conservadores

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The New York Times

Como todos sabem, os esquerdistas odeiam as forças armadas dos Estados Unidos. Recentemente, uma figura proeminente da mídia de esquerda atacou o general Mark Milley, que preside o estado-maior conjunto americano, declarando que “além de ser um porco, ele é estúpido”.

Ah, não. Não foi um esquerdista, mas sim Tucker Carlson, da Fox News. O que causou a explosão de Carlson foi um depoimento de Milley ao Congresso em que ele disse considerar importante que “as pessoas uniformizadas tivessem a mante aberta e leituras amplas”.

O problema é óbvio. Mente fechada e ignorância se tornaram valores centrais para os conservadores, e aqueles que rejeitam esses valores são o inimigo, não importa o que possam ter feito a serviço do país.

A audiência de Milley era parte de um furor orquestrado sobre a “teoria crítica da raça” que vem dominando a mídia de direita nos últimos meses, tendo recebido quase duas mil menções na Fox News só este ano. É frequente ouvir a afirmação de que aqueles que atacam a teoria crítica da raça não fazem ideia do que ela é, mas discordo; eles compreendem que existe alguma relação entre a teoria e afirmações de que os Estados Unidos têm um histórico de racismo e de políticas públicas que explícita ou implicitamente alargam as disparidades raciais.

Alunos durante o recreio em uma escola na cidade da Filadélfia, na Pensilvânia (EUA) - Hannah Beier - 8.mar.21/Reuters

E essas afirmações são incontestavelmente verdadeiras. O massacre racial de Tulsa realmente aconteceu, e foi apenas um entre muitos incidentes como esse. O manual de financiamento da Administração Federal da Habitação, em sua edição de 1938, realmente declarava que “não se deve permitir que grupos racialmente incompatíveis vivam nas mesmas comunidades”.

Podemos discutir sobre a relevância desse histórico para as políticas atuais, mas quem argumentaria contra reconhecer simples fatos?

A direita moderna. A direita moderna argumentaria. A obsessão atual com a teoria crítica da raça é uma tentativa cínica de mudar de assunto, desviando a atenção das iniciativas políticas altamente populares do governo Biden, e de açular a ira branca que os republicamos negam existir. Mas esse é só um dos múltiplos assuntos em que ignorância deliberada se tornou um teste para qualquer pessoa que espere encontrar sucesso político no Partido Republicano.

Assim, para ser um republicano respeitado no partido é preciso negar a realidade de que atividades humanas causaram uma mudança no clima, ou no mínimo se opor a qualquer ação para limitar as emissões de gases causadores do efeito estufa. É preciso rejeitar, ou ao menos expressar ceticismo sobre, a teoria da evolução. E nem vou começar a discorrer sobre coisas como a eficácia dos cortes de impostos.

O que sublinha esse compromisso multidisciplinar para com a ignorância? Em cada tema, a recusa de reconhecer a realidade parece servir a interesse especiais. Aqueles que negam a mudança do clima atendem aos interesses do setor de combustíveis fósseis; os que negam a evolução atendem aos religiosos fundamentalistas; o misticismo dos cortes de impostos é um serviço aos bilionários que doam verbas de campanha.

Homem observa escombros na comunidade negra de Greenwood, em Tulsa (EUA), em 1921; local foi alvo de revolta de brancos, que queimaram casas e destruíram tudo o que viam pela frente - Oklahoma Historical Society/Getty Images

Mas existe também, eu argumentaria, um efeito secundário: aceitar provas e a lógica é uma espécie de valor universal, e não se pode removê-lo de uma área de pesquisa sem degradá-lo em todo o espectro. Ou seja, não se pode declarar que honestidade sobre a história racial dos Estados Unidos é inaceitável e esperar que os padrões intelectuais quanto a outros temas sejam mantidos. No moderno universo de ideias da direita, tudo é político, e não existem assuntos seguros.

Essa politização de tudo inevitavelmente cria imensas tensões entre os conservadores e as instituições que tentam respeitar a realidade.

Há muitos estudos que documentam as fortes inclinações democratas dos professores universitários americanos, o que é muitas vezes tratado como prova clara de vieses na contratação. Na Flórida, uma nova lei requer que cada universidade do estado conduza uma pesquisa anual “que considere em que medida ideias e perspectivas concorrentes são apresentadas”; a lei não ordena especificamente que mais republicanos sejam contratados, mas é claramente um gesto nessa direção.

Um contra-argumento óbvio às imputações de parcialidade nas contratações é a autosseleção: quantos conservadores escolhem seguir carreira, por exemplo, na sociologia? Os vieses de contratação são o motivo para que policiais pareçam ter apoiado Donald Trump por maioria desproporcional na eleição de 2016, ou isso é um simples reflexo do tipo de pessoa que escolhe carreiras nesse ramo de atividade?

Mas além disso, o Partido Republicano moderno não abriga pessoas que acreditem na objetividade. Uma característica notável das pesquisas sobre partidarismo acadêmico é a pesada preferência pelos democratas nas ciências duras, como a biologia e a química; mas será que isso é tão difícil assim de entender quando os republicanos rejeitam a ciência em tantas frentes?

Um estudo recente expressa espanto por até mesmo os departamentos de finanças nas universidades serem pesadamente pró-democratas. De fato, seria de esperar que professores de finanças, alguns dos quais têm trabalhos lucrativos como consultores em Wall Street, fossem bastante conservadores. Mas mesmo eles se deixam repelir por um partido que tem um compromisso para com a Economia zumbi.

O que me reconduz ao general Milley. Os militares americanos tradicionalmente preferem o Partido Republicano, mas o corpo moderno de oficiais das forças armadas tem um nível educacional elevado, mente aberta e, se posso ousar dizer, demonstra alguma inclinação intelectual – porque esses são atributos que ajudam a vencer guerras.

Infelizmente, também são atributos que o Partido Republicano moderno considera intoleráveis.

Assim, algo como o ataque a Milley era inevitável. A direita apostou tudo na ignorância, e por isso é inevitável que entre em conflito com todas as instituições –incluindo as forças armadas americanas– que tentem cultivar o conhecimento.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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