Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu apple

A nova aliança de Yellen contra os leprechauns

Atual sistema tributário internacional oferece imenso escopo para evasão fiscal por parte das grandes empresas

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The New York Times

No final de semana, em boa medida por insistência da secretária americana do Tesouro Janet Yellen, os ministros das finanças do Grupo dos 7 (G7) – as grandes economias avançadas —chegaram a um acordo sobre uma alíquota mínima de 15% de imposto sobre os lucros de subsidiárias estrangeiras de corporações multinacionais. Você talvez não saiba o que isso quer dizer, ou por que deveria se interessar pelo assunto.

Por isso vou lhe contar a história da Apple e dos leprechauns.

A Apple tem um vasto alcance internacional. Seus produtos são vendidos em quase toda parte; ela opera subsidiárias em diversos países. E é, evidentemente, muito lucrativa.

Yellen em coletiva de imprensa após reunião com ministros de finanças do G7, em Londres - Justin Tallis - 7.jun.2021/Pool via Reuters

Mas onde esses lucros são obtidos? A Apple não tem grandes atividades industriais, e basicamente terceiriza sua produção para outras empresas, a maioria das quais na China. Boa parte de seu lucro vem de taxas de licenciamento, que refletem os ativos intangíveis da companhia —patentes, marcas registradas, segredos comerciais e outras marcas. E onde se localizam esses ativos intangíveis? Do ponto de vista econômico, essa questão não tem importância alguma.

Para propósitos tributários, no entanto, a Apple precisa declarar lucros em algum lugar. No momento, isso significa que é a empresa que escolhe declarar onde ganha seu dinheiro —e o que ela faz, naturalmente, é declarar que os lucros são auferidos por subsidiárias instaladas em países que cobram impostos baixos sobre esses lucros, especialmente a Irlanda.

Na verdade, até 2014, a coisa ia ainda além disso. Uma grande proporção do lucro mundial da companhia era atribuída à Apple Sales International, registrada na Irlanda mas, para propósitos tributários, localizada em lugar nenhum. Em 2015, porém, a combinação entre pressão da Comissão Europeia e mudanças nas leis tributárias da Irlanda induziu a Apple a designar boa parte de seus lucros para sua subsidiária irlandesa regular.

Qual foi a importância disso? No Papel, o PIB (Produto Interno Bruto) da Irlanda subitamente cresceu em 25%, ainda que nada houvesse mudado na realidade —um fenômeno que apelidei de “economia leprechaun”, um apelido que pegou (os irlandeses, por sorte, têm senso de humor).

A verdade é que a Apple está longe de ser a única empresa a explorar seu status multinacional para evitar impostos, e a Irlanda está longe de ser o mais infame dos paraísos fiscais, mesmo na Europa.

De acordo com números do Fundo Monetário Internacional (FMI), Luxemburgo – cuja população é semelhante à do estado de Vermont [600 mil habitantes] —atraiu mais de US$ 3 trilhões em investimentos de empresas estrangeiras, um total comparável ao dos Estados Unidos como um todo. O que isso significa? O investimento real envolvido é quase inexistente. Em lugar disso, o minúsculo ducado oferece a muitas companhias acordos que permitem que declarem seus impostos lá, pagando quase nada.

Assim, o que aprendemos com essas histórias? Primeiro, que o atual sistema tributário internacional oferece imenso escopo para evasão fiscal por parte das grandes empresas.

Segundo, aprendemos que quando países tentam competir no corte de alíquotas de impostos sobre as empresas —​a chamada “corrida ao fundo do poço”—, eles na verdade não estão lutando para determinar quem receberá empregos e investimentos que elevarão sua produtividade. Existe pouca indicação de que cortes de impostos sobre os lucros induzam empresas a efetivamente construir fábricas e expandir o emprego.

A disputa real é para determinar onde os lucros serão declarados, e com isso tributados. E com as alíquotas de impostos caindo mais e mais e a evasão fiscal florescendo, o resultado é que a arrecadação tributária não para de declinar.

Na década de 1960, os impostos federais sobre empresas equivaliam a 3,5% do PIB dos Estados Unidos; agora equivalem a em média 1%. Essa é uma perda de arrecadação de mais de US$ 500 bilhões ao ano, o suficiente para pagar por muita infraestrutura, serviços para crianças, e mais.

O que nos conduz àquele acordo do G7. Como a alíquota mínima de 15% funcionaria? Eis a maneira pela qual Gabriel Zucman —que provavelmente fez mais do que qualquer outro economista para destacar a importância da evasão fiscal das multinacionais— resume a situação: “Imagine uma multinacional alemã que contabilize receita na Irlanda, tributada a uma alíquota efetiva de 5%. A Alemanha agora arrecadará 10% a mais de imposto, para chegar aos 15% —e o mesmo se aplica a lucros declarados por multinacionais alemãs em Bermuda, Singapura, etc”.

Isso evidentemente reduziria de imediato o montante de impostos do qual as multinacionais poderiam escapar ao transferir a paraísos fiscais os lucros declarados. E também reduziria muito o incentivo para que países sirvam como paraísos fiscais, para começar. E se você acredita que as empresas poderiam evitar o problema ao transferir suas sedes, para, digamos, Bermuda, as grandes economias têm a capacidade de dificultar essas transferências.

Para colocar a situação em um contexto mais amplo, o que estamos vendo aqui é o início de uma tentativa de consertar um sistema que prejudica os trabalhadores e beneficia o capital. Os trabalhadores têm poucas maneiras de escapar a impostos de renda, tributos sobre seus salários e impostos de venda, exceto se mudarem para outro país. As corporações multinacionais, que são em última análise controlada por uma pequena elite endinheirada, podem buscar jurisdições de baixa tributação sem fazer qualquer coisa de real exceto contratar contadores talentosos. O plano do G7 conteria essa prática.

Até agora, é certo, só temos um acordo entre ministros das finanças, e alguns detalhes importantes ainda não foram resolvidos. As grandes empresas podem contratar lobistas, e não só contadores.

Mas o acordo continua a ser uma vitória —um passo importante rumo a um mundo mais justo.

Tradução de Paulo Migliacci

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