Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Republicanos têm uma autocracia privada

Lealdade, inflação lisonjeira e culto à personalidade compõem códigos do partido

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Acredito muito na utilidade da ciência social, especialmente na de estudos que utilizam comparações entre áreas e entre períodos diferentes para lançar luz sobre nossa situação atual. Assim, quando o cientista político Henry Farrell sugeriu que eu estudasse a literatura de campo que existe sobre cultos de personalidade, segui sua indicação.

Ele recomendou um estudo em especialmente, trabalho do pesquisador Xavier Márquez, radicado na Nova Zelândia, que, em minha opinião, é um estudo revelador. “Os Mecanismos de Produção de Cultos” compara o comportamento das elites políticas de ampla gama de regimes ditatoriais, da Roma de Calígula à Coreia do Norte da família Kim, e encontra semelhanças notáveis.

A despeito das imensas diferenças de cultura e de circunstâncias materiais, a elite em todos esses regimes se engaja em comportamento mais ou menos igual, especialmente naquilo que o estudo denomina “sinalização de lealdade” e “inflação de lisonja”.

Sinalização é um conceito originalmente desenvolvido na Economia; dispõe que as pessoas às vezes se engajam em comportamento dispendioso e aparentemente despropositado como forma de provar que têm atributos a que os outros conferem valor.

O senador norte-americano Lindsey Graham durante audiência sobre orçamento nos Estados Unidos - Evelyn Hockstein - 17.jun.21/AFP

Por exemplo, os novos contratados em bancos de investimento podem realizar jornadas de trabalho insanamente longas não porque as horas extras são realmente produtivas, mas para demonstrar seu comprometimento para manter alimentada a máquina de dinheiro.

No contexto de regimes ditatoriais, a sinalização tipicamente envolve fazer afirmações absurdas em nome do líder e de sua agenda, que frequentemente incluem “exibições nauseantes de lealdade”.

Se as afirmações são claramente absurdas e destrutivas em seus efeitos, se fazer essas afirmações humilha a pessoa que as faz, esses são traços de definição da sinalização, e não acidentes, como é que o líder pode saber que um subordinado é verdadeiramente leal a não ser que ele esteja disposto a demonstrar essa lealdade causando mal não só a terceiros como à sua própria reputação?

E assim que essa forma de sinalização se torna a norma, aqueles que tentam provar sua lealdade têm de ir a extremos cada vez maiores a fim de se diferenciar do rebanho.

Daí a “inflação de lisonja”. O líder não é só bravo e sábio como também um perfeito espécime físico, um brilhante especialista em saúde, um analista econômico digno do Prêmio Nobel, e mais. O fato de que ele evidentemente não é qualquer dessas coisas só aumenta a efetividade da lisonja como demonstração de lealdade.

Isso tudo lhes parece familiar? É claro que sim, pelo menos para qualquer pessoa que venha acompanhando a Fox News ou os pronunciamentos de figuras políticas como Lindsey Graham ou Kevin McCarthy.

Muita gente, e estou entre essas pessoas, vem declarando há anos que o Partido Republicano deixou de ser um partido político normal.

Não se parece, por exemplo, com o Partido Republicano da era de Dwight Eisenhower ou com os democratas cristãos da Alemanha. Mas apresenta semelhança crescente com os partidos governantes de regimes autocráticos.

A única coisa incomum sobre a adoção generalizada do Princípio do Líder pelos republicanos é que o partido não detém o monopólio do poder; na verdade, não controla nem o Congresso e nem a Casa Branca.

Políticos suspeitos de lealdade insuficiente a Donald Trump e ao trumpismo em geral não são enviados ao gulag. Na pior das hipóteses, perdem postos internos no partido e, possivelmente, futuras primárias. Mas a timidez dos políticos republicanos é tamanha que essas ameaças amenas aparentemente bastam para fazer com que muitos deles se comportem como cortesãos de Calígula.

Infelizmente, toda essa sinalização de lealdade está colocando o país inteiro em risco. Na verdade, ela certamente deve causar a morte de grande número de americanos nos próximos meses.

A paralisação da campanha de vacinação inicialmente bem sucedida dos Estados Unidos não foi inteiramente causada por partidarismo —algumas pessoas, especialmente integrantes de minorias, estão optando por não se vacinar por motivos que pouco têm a ver com a política atual.

Mas a política ainda assim é claramente um fator chave: políticos republicanos e influenciadores de inclinação republicana propeliram boa parte da oposição às vacinas contra a Covid-19, em alguns casos praticando o que pode ser definido como sabotagem aberta.

E existe uma espantosa correlação negativa entre a proporção de votos para Trump em cada condado, na eleição de 2020, e a proporção de pessoas vacinadas nesses condados hoje.

Como é que vacinas destinadas a salvar vidas foram politizadas? Jonathan Bernstein, da Bloomberg, aponta que os republicamos atuais estão sempre em busca de maneiras de provar que seu comprometimento para com a causa é maior que o de seus colegas —e se considerarmos até que ponto o partido já afundou, a única maneira de fazê-lo, agora, é “insensatez e niilismo”, e a defesa de políticas loucas e destrutivas como a oposição às vacinas.

Ou seja, a hostilidade a vacinas se torna uma forma de sinalização de lealdade.

Nada disso deveria ser entendido como implicação de que os republicanos são a raiz de todos os males ou de que seus oponentes são santos.

Os democratas de forma alguma são imunes ao poder dos interesses especiais ou aos atrativos da transição bem recompensada entre o setor público e privado. Mas o Partido Republicano se tornou algo diferente, e, até onde sei, sem precedentes na história americana, ainda que com muitos precedentes no exterior.

Os republicanos criaram para eles mesmos um reino político no qual demonstrações dispendiosas de lealdade transcendem as considerações da boa política ou mesmo da lógica mais primária. E todos nós talvez tenhamos que pagar o preço.

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