Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman
Descrição de chapéu mudança climática

Senador Joe Manchin versus Virgínia Ocidental

Sobre o clima e as crianças, ele está prejudicando seus próprios eleitores

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A agenda política do presidente Joe Biden está por um fio. E o motivo pode ser resumido em duas palavras: Joe Manchin. (Bem, também Kyrsten Sinema, mas alguém sabe o que está acontecendo com ela?)

Manchin, o senador democrata da Virgínia Ocidental —cujo voto é essencial diante da oposição de terra arrasada dos republicanos a qualquer coisa que Biden proponha—, é aparentemente contra o Programa de Pagamentos por Energia Limpa, o núcleo da tentativa de Biden de agir contra a mudança climática. Manchin quer impor exigências de emprego ao crédito fiscal por filhos, um elemento chave nos planos de investimento nas crianças do país.

Você poderia ficar tentado a ver esse impasse como uma crítica ao sistema político loucamente não representativo dos Estados Unidos, que efetivamente permite que os interesses de um estado pequeno —a Virgínia Ocidental tem muito menos residentes que o bairro do Brooklyn em Nova York— domine interesses nacionais. Mas na verdade é pior que isso: Manchin parece pronto para vetar políticas que seriam do interesse de seu próprio eleitorado.

O senador americano Joe Manchin - Stefani Reynolds - 28.set.2021/Reuters

Vamos falar sobre as considerações que deveriam orientar um político que serve à população da Virgínia Ocidental.

À primeira vista, a Virgínia Ocidental pode parecer menos exposta que muitos outros estados aos efeitos da mudança climática. Ela fica no interior, por isso a elevação do nível do mar não é uma ameaça direta; é relativamente chuvosa, de modo que não está em risco imediato de sofrer as secas desastrosas que afligem o oeste dos Estados Unidos.

Mas a mudança climática está trazendo um clima mais severo em geral, incluindo mais chuvas pesadas —e a Virgínia Ocidental é extremamente vulnerável a enchentes, em parte por causa dos danos causados pela antiga mineração de carvão.

Ainda assim, sua economia não depende do uso contínuo de carvão, sejam quais forem as consequências ambientais? A resposta é que o carvão é muito menos importante para o estado do que costumava ser, e sua importância está fadada a diminuir, não importa o que se faça sobre a mudança climática.

Houve de fato uma época em que a economia da Virgínia Ocidental dependia do carvão. Em 1982, quando Joe Manchin começou sua carreira política como membro do Legislativo estadual, os salários e benefícios pagos aos mineiros de carvão representavam 16% da receita trabalhista total do estado. Mas a folha de pagamento da indústria encolheu rapidamente durante os governos Bush e Reagan, caindo para cerca de 7% da compensação em meados dos anos 1990. Ela declinou ainda mais desde então, mas basicamente a Virgínia Ocidental deixou de ser uma região carvoeira uma geração atrás.

Ah, e a pequena indústria que resta está de saída, tenhamos ou não uma política climática efetiva. Diante do drástico progresso tecnológico em energia renovável, o carvão simplesmente não é mais competitivo.
E os outros combustíveis fósseis? Graças ao fraturamento hidráulico, ou "fracking", a Virgínia Ocidental se tornou um importante produtor de petróleo e gás. Mas essa indústria gera notavelmente menos receitas para os trabalhadores do estado. Em geral, os retornos do fracking na região dos montes Apalaches parecem ir avassaladoramente para investidores de fora, com quase nada escorrendo para as economias locais.

Por isso a Virgínia Ocidental tem muito a perder e pouco a ganhar se o plano climático de Biden cair.
Além de bloquear a ação climática, Manchin parece decidido a cortar a ajuda às crianças, em particular impondo uma exigência de emprego para conceder o crédito fiscal para crianças.

Há muitas coisas negativas a se dizer sobre essa peça de mesquinharia. Uma coisa a se pensar é que é uma tentativa de forçar os adultos a trabalhar tornando seus filhos reféns. É isso que queremos ser como país? Também, acrescentar condições à ajuda cria dificuldades e complexidades —e as crianças que mais precisam de ajuda vêm precisamente de famílias menos capazes de navegar essa complexidade.

O que é realmente marcante, porém, é ouvir essas demandas vindas de um senador que supostamente representa a Virgínia Ocidental —um estado pobre que tem muito mais a ganhar ao expandir a ajuda às crianças do que partes mais ricas do país.

Em particular, tornar os benefícios para crianças dependentes de os pais encontrarem emprego, embora seja uma má ideia em geral, é especialmente ruim para um estado como esse, onde é difícil encontrar trabalho.

Os adultos nos anos mais produtivos são substancialmente menos propensos a ser empregados na Virgínia Ocidental do que no país como um todo. Não porque os habitantes do estado sejam preguiçosos; é porque a mudança econômica isolou partes substanciais do interior dos Estados Unidos, levando a uma perda de oportunidades de emprego.

As crescentes disparidades regionais são um problema sério, sem soluções fáceis. Mas, já que elas existem, é pura crueldade recusar ajuda a crianças a menos que seus pais consigam empregos que talvez não existam —e a crueldade é mais intensa em um estado em dificuldade como a Virgínia Ocidental.

Então, o que Joe Manchin está pensando? Algumas pessoas dizem que devemos seguir o dinheiro —as grandes contribuições de campanha que ele recebe da indústria de combustíveis fósseis, sua participação financeira pessoal na indústria do carvão.

Mas as visões mais cínicas do comportamento dos políticos nem sempre estão certas. Eu gostaria de esperar que Manchin seja sincero —que ele realmente acredite que está protegendo os interesses de seu estado.

O problema é que ele parece ter uma visão defasada há décadas do que seu estado precisa. E essa visão distorcida agora está pondo em risco o futuro dos Estados Unidos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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