Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu clima chuva

Sobre pessoas muito sérias, o clima e as crianças

Por que os que costumavam ficar obcecados sobre a dívida não parecem se importar com o futuro?

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Você se lembra do tempo do plano de redução de dívidas de Simpson-Bowles?

Uma década atrás, a opinião de elite estava obcecada pela suposta necessidade de ação imediata sobre os deficits orçamentários. Esse consenso entre os que eu costumava chamar de Pessoas Muito Sérias era tão forte que Ezra Klein, hoje autor de artigos de opinião no Times, escreveu que os deficits de alguma forma se tornavam uma questão à qual "as regras da neutralidade jornalística não se aplicam".

A mídia noticiosa mais ou menos torcia abertamente não só pela redução do deficit em geral, mas em particular pela "reforma da elegibilidade", ou seja, cortes em futuros benefícios do Medicare e da Seguridade Social. Todos os que importavam pareciam concordar que tais cortes eram essenciais para garantir o futuro da nação.

Não eram. Mas esta é minha pergunta: se a opinião de elite se importa tanto com o futuro, por que não há um consenso comparável hoje sobre a necessidade de ação climática e os gastos com crianças? Esses são dois dos principais componentes da agenda Reconstruir Melhor do presidente Joe Biden, e a tese a favor de ambos é muito mais forte do que jamais foi a tese para o corte de benefícios.

Crianças param para olhar um parquinho inundado em seu bairro após a passagem do furacão Ida nos EUA - Caitlin Ochs - 02.set.2021/Reuters

Mas, se os pedidos por cortes na Seguridade Social costumavam ser tratados como uma espécie de emblema político de seriedade, pedir uma ação urgente sobre o clima e as crianças não é. Em todo caso, grande parte das reportagens sobre a política atual parece sugerir que o punhado de democratas que tentam desmontar o Reconstruir Melhor, limitando a agenda de Biden a gastos modestos em infraestrutura convencional, estão sendo responsáveis, enquanto os progressistas que tentam garantir que realmente invistamos no futuro da nação não são muito sérios.

Vamos falar sobre o que realmente significa garantir o futuro.

A lógica dos pedidos por reforma da elegibilidade sempre foi suspeita. É verdade que o envelhecimento da população e o aumento dos custos da atenção à saúde poderão eventualmente nos obrigar a optar entre aumentos de impostos e cortes de benefícios (embora as preocupações sobre a dívida pública sejam exageradas há muito tempo). Mas por que era urgente tomar medidas, digamos, em 2010? O que se perderia esperando alguns anos? Se você pensasse nisso, o consenso da elite era que precisávamos cortar os benefícios futuros para evitar... futuros cortes de benefícios. Hã?

Em comparação, o custo de adiar a ação sobre o clima e as crianças é real e imenso.

Sobre o clima: a cada ano que o mundo deixa de limitar as emissões de gases do efeito estufa, a humanidade emite cerca de 35 bilhões de toneladas de dióxido de carbono —e essas emissões ficarão na atmosfera, aquecendo o planeta, durante centenas de anos.

Já vimos os custos impostos pelo avanço da mudança climática —secas severas, a proliferação de eventos climáticos extremos. O consenso científico avassalador é que esses custos ficarão muito piores nas próximas décadas. Assim, ao adiar a ação climática, estamos minando nosso futuro de uma maneira muito mais substancial do que, digamos, acrescentando alguns pontos percentuais à dívida pública.

Sobre crianças: a pobreza é um problema enorme nos Estados Unidos. E há evidências avassaladoras de que gastos em programas que aliviam a pobreza infantil têm enormes recompensas: as crianças que recebem ajuda desses programas se tornam adultos melhores, com salários maiores, do que as que não recebem. Na verdade, a evidência de altos retornos dos gastos maiores com crianças é muito mais forte do que a evidência de altos retornos de gastos em estradas e pontes (embora também devamos fazer isso).

Então, cada ano que não aumentamos a ajuda às crianças, por exemplo expandindo o crédito fiscal por filhos, leva a décadas de potencial humano desperdiçado.

Mas a opinião da elite, e muitas reportagens, de certa forma deixa de salientar a extrema irresponsabilidade de se opor a planos de energia limpa e o imenso desperdício de potencial humano que vem de não abordarmos a pobreza infantil. Em vez disso, é só "US$ 3,5 trilhões! US$ 3,5 trilhões!" --muitas vezes sem destacar que isso significaria apenas 1,2% do PIB.

Está bem, eu não entendo totalmente esse duplo critério —por que as Pessoas Muito Sérias ficaram obcecadas pela supostamente urgente necessidade de limitar a dívida pública, mas são muito blasés —ou mesmo hostis-- sobre propostas de atacar questões que realmente importam para o nosso futuro.

Dinheiro certamente faz parte da história: grupos corporativos como a Câmara de Comércio dos EUA eram totalmente a favor da reforma dos benefícios, mas estão fazendo lobby furiosamente contra o Reconstruir Melhor. De fato, os democratas que tentam afundar a agenda de Biden são mais precisamente descritos como a ala corporativa do partido do que como "centristas". Afinal, pesquisas sugerem que as políticas a que eles se opõem são altamente populares, portanto nesse sentido estão bastante à direita do centro político.

Mas nem todo mundo que define o senso comum tem essa visão. Também parece haver uma espécie de dinâmica social na política e na mídia, talvez refletindo os círculos em que os líderes de opinião se movimentam, que trata como corajosas as pessoas que querem dificultar a vida dos americanos comuns, enquanto considera excêntricas e irreais as que querem aumentar os impostos sobre as empresas e os ricos.

Sejam quais forem os motivos dessa dinâmica, ela deve ser combatida. Neste momento temos a oportunidade de realmente fazer a coisa certa. Será uma tragédia se perdermos essa oportunidade.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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