Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Como a semana da infraestrutura finalmente aconteceu

Superando a incompetência, o nepotismo e a ideologia

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Treze deputados republicanos votaram a favor do projeto de lei da infraestrutura que agora segue para a mesa do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Pode não parecer muito, mas dada a intensidade do partidarismo republicano —o perdedor na disputa para governador de Nova Jersey ainda não admitiu a derrota— conseguir o apoio desse número de republicanos para uma iniciativa que poderá ajudar Biden é surpreendente.

Esses votos sugerem que os políticos acreditam no que as pesquisas indicam —que consertar estradas e pontes, expandir a banda larga e outras ações são imensamente populares e que se opor à lei seria politicamente dispendioso. (Seis democratas progressistas votaram contra a lei, mas Nancy Pelosi, que disse ter uma "contagem secreta de líder", poderia ter conseguido alguns desses votos caso precisasse deles.)

Mas se os gastos em infraestrutura são um fator de vitória política por que isso não aconteceu com Donald Trump? O governo Trump declarou a Semana da Infraestrutura em junho de 2017, mas nenhuma proposta legislativa se materializou, e quando Trump perdeu a reeleição a frase tinha se tornado uma piada nacional. Por quê?

Na Casa Branca, o presidente Joe Biden reage ao fazer comentários sobre a aprovação do pacote de infraestrutura - Roberto Schimidt - 6.nov.2021/AFP

Não foi só incompetência, embora isso fosse uma parte. A história maior é que o Partido Republicano moderno é constitucionalmente incapaz —ou talvez, diante do comportamento recente, deva ser inconstitucionalmente incapaz— de investir no futuro dos Estados Unidos. E, é triste dizer, os democratas pró-empresas, que realmente deveríamos parar de chamar de "centristas", têm alguns dos mesmos problemas.

Trump falou muito sobre infraestrutura durante a campanha eleitoral de 2016. Mas o "plano" divulgado por seus assessores, na verdade, apenas um vago esboço, era uma confusão. Não era sequer uma proposta verdadeira de investimento público; em grande medida, era um exercício de capitalismo nepotista, um esquema de investimentos privados subsidiados pelo contribuinte que, como as "zonas de oportunidade" que fizeram parte do corte fiscal de 2017, teria principalmente despejado benefícios sobre os empreiteiros ricos. Também era completamente infactível.

Se Trump tivesse desejado realizar alguma coisa real, precisaria ter recorrido a pessoas que tivessem alguma ideia do que estavam fazendo, que pelo menos soubessem redigir uma legislação. Mas ele não estava disposto a trabalhar com os democratas —e congressistas republicanos chaves, em particular Mitch McConnell, se opuseram a um investimento significativo em infraestrutura em todas as etapas do percurso.

Por que essa oposição? Grande parte dela era ostensivamente sobre como pagar pelos gastos adicionais. Os republicanos eram contra novos impostos, é claro, especialmente sobre as empresas e os ricos. Eles também afirmavam ser contra novas dívidas do governo.

Mas a primeira regra da política deficitária é que ninguém realmente se importa com as dívidas. Os republicanos certamente não se importaram quando aplicaram um corte de impostos de US$ 1,9 trilhão (R$ 10,5 tri) sem qualquer economia de custos para compensar. O grupo de democratas que ainda recusam o plano Reconstruir Melhor de Biden, que investiria em pessoas, além de aço e concreto, retardaram a votação pedindo uma estimativa de custos do Escritório de Orçamento do Congresso. Mas eles não parecem se importar com o fato de que a lei de infraestrutura física é paga em parte com fumaça e espelhos e que o Escritório de Orçamento calcula que acrescentará centenas de bilhões de dólares ao deficit público.

Acontece que muitos economistas hoje acreditam que diante das baixas taxas de juros realmente não devemos nos preocupar com deficits. Mas isso não impede os políticos de invocar seletivamente temores de deficits como forma de bloquear programas do governo que eles não apoiam.

No caso dos republicanos da corrente dominante, isso significa basicamente se opor a tudo o que não sejam gastos militares. Qualquer outra coisa é "socialismo", o que na direita passou a significar gastar dinheiro de qualquer maneira que ajude os cidadãos comuns.

De fato, está bastante claro que o que os conservadores temem não é que novos programas do governo falhem. Eles têm medo de que os programas sejam considerados um sucesso e ajudem a legitimar um papel maior do governo na abordagem dos problemas sociais.

Isto é, eles temem que programas do governo que realmente ajudem as pessoas possam nos transformar em um "país de beneficiários" —talvez até um país que taxe os ricos para pagar ajuda aos necessitados.
Diante dessa atitude, a única maneira como Trump poderia ter conseguido uma lei de infraestrutura seria contornar grande parte de seu partido e trabalhar com os democratas. Mas, como eu disse, ele não estava disposto a isso.

Infelizmente, o punhado de democratas que ainda podem matar o Reconstruir Melhor parece compartilhar a indisposição republicana a investir no futuro, mesmo de forma mais branda. Eles querem gastar em infraestrutura, mesmo com dinheiro emprestado. Mas temem os gastos sociais, embora haja fortes evidências de que esses gastos ajudariam muito a economia (para não falar em seus próprios eleitores). Por quê? Bem, Joe Manchin diz que ele teme que nos tornemos uma "sociedade do direito cidadão".

Nessa altura, porém, aceitar esse absurdo teria enormes custos políticos, assim como humanos. A capacidade de Biden de finalmente aprovar a lei de infraestrutura que escapou a Trump durante quatro anos é uma lição objetiva do que pode ser alcançado se pusermos de lado os ideólogos e a camaradagem capitalista. Agora os democratas devem terminar o serviço.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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