Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Nova York paga o preço de viver sob o domínio de Wall Street

Morar na cidade ficou caro demais, exceto para financistas

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Nova York está pagando um preço pela dominação econômica de Wall Street.

Você se lembra de quando a cidade de Nova York foi amaldiçoada? A primeira onda da pandemia de Covid-19 a atingiu como uma marreta, matando mais de 20 mil nova-iorquinos em poucos meses. E muitos comentaristas afirmaram que o estilo de vida de Nova York era o que a tornava tão vulnerável —em particular, sua densidade populacional extremamente alta e a dependência do transporte de massa.

Afinal, porém, isso tudo estava errado. Nova York sofreu muito no início porque ainda é a principal porta dos Estados Unidos para o mundo, por isso foi infectada primeiro, numa época em que não sabíamos muito sobre como nos protegermos do coronavírus. Desde então, a cidade se saiu bastante bem na frente sanitária.

Prédios em Nova York - Daniel Marenco/Folhapress

Mas não foi tão bem na frente econômica. E daí vem uma história que é relevante não só para Nova York, mas para os Estados Unidos #azuis [liberais] em geral.

Sobre a pandemia: durante a onda delta, a combinação de altos índices de vacinação com amplo uso de máscaras e precauções de saúde pública —não se pode fazer muita coisa na Big Apple sem mostrar seu cartão de vacinação— ajudou a fazer da cidade um dos lugares mais seguros do país, sofrendo uma taxa de mortes por Covid muito menor do que nos municípios rurais ou em cidades espalhadas, dependentes de carros, como Dallas. A onda da ômicron também atingiu Nova York primeiro, mas parece estar recuando depressa.

E os aluguéis disparados, que parecem estar mais ou menos voltando aos níveis pré-pandêmicos, sugerem que Nova York é novamente considerada um lugar interessante para se viver. Desculpem, mas não pude resistir a citar o gerente de investimentos que declarou: "O principal problema de mudar-se para a Flórida é que você tem de viver na Flórida".

De fato, Nova York é um ótimo lugar para se viver —se você puder pagar o preço da moradia. Esse último ponto, entretanto, é um problema, e está por trás da demorada recuperação econômica da cidade.

Todos os EUA sofreram grande perda de empregos nos primeiros meses da pandemia. As perdas em Nova York, porém, foram muito maiores em termos percentuais do que a média nacional, e enquanto a economia nacional se recuperou a de Nova York não retomou o terreno perdido.

O que está por trás desse subdesempenho? Parte dele reflete os efeitos da pandemia no turismo e nas viagens de negócios —Times Square estava começando a ser intolerável de novo (normalmente ninguém vai lá porque é lotada demais) antes que a ômicron chegasse. Mas a questão maior, eu diria, é a falta de diversidade econômica da cidade.

Parece estranho dizer isso sobre uma cidade que é incrivelmente diversificada de tantas maneiras —incluindo os empregos da população. Mas as fortunas econômicas de uma cidade são amplamente orientadas por sua "base de exportações" —as coisas que ela produz que são vendidas em outros lugares.

Essa base normalmente tem um grande "multiplicador"; grande parte do dinheiro ganho na base é gasto localmente, sustentando restaurantes, lojas, academias e outros. Mas a base é o que orienta o crescimento da cidade.

E a base de Nova York é notavelmente estreita para uma cidade desse porte. Como indicou Ed Glaeser, da Universidade Harvard, em termos econômicos a cidade é basicamente uma monocultura: ela vende serviços financeiros para o resto do mundo, e não muito mais.

Examinar apenas os números do emprego pode ser enganoso: somente cerca de 8% dos trabalhadores de Nova York estão no setor de finanças e seguros. Mas suas rendas são tão altas, comparadas com as de todos os outros, que eles respondem por cerca de 20% da economia da cidade e a maior parte de sua base de exportação.

E o problema em ter uma economia de um único setor é que coisas ruins acontecem se algo abalar essa indústria. Pense no carvão na Virgínia Ocidental ou nos carros em Flint, Michigan.

O estranho sobre os problemas de Nova York é que de certas maneiras a base de exportação da cidade está se mantendo bem; o pessoal de Wall Street não está debandando em massa. Mas o que Wall Street parou de fazer, pelo menos por enquanto, é de ir ao escritório —porque as finanças vêm a ser uma dessas indústrias em que muito trabalho pode ser feito remotamente. Isso, por sua vez, significa que os trabalhadores financeiros não estão comprando almoço, fazendo compras na cidade, saindo para comer e assim por diante. O problema, em outras palavras, é menos uma base encolhida do que um multiplicador reduzido.

Mas por que Nova York perdeu sua diversidade econômica? A resposta, certamente, é que o imenso poder aquisitivo de Wall Street e dos que a servem se chocou com um estoque de moradias limitado por zoneamento e regulamentação, tornando a cidade cara demais para todo mundo, exceto os financistas e aqueles que, direta ou indiretamente, atendem às suas necessidades. E a solução é óbvia: permitir a construção de mais moradias.

O que me leva à questão do que há de errado com a América azul [liberal] —Nova York é apenas um exemplo (a Califórnia é pior). Os conservadores lhe dirão que as pessoas estão se mudando para o Texas e a Flórida pelos impostos mais baixos; os impostos em Nova York de fato são altos, mas não há muita evidência de que eles estejam fazendo a população ir embora. O que as pessoas realmente estão fazendo é mudar-se para lugares onde a habitação é acessível, porque seus governos não impedem novas construções.

E no caso de Nova York esse é em última instância o motivo pelo qual uma grande cidade global se tornou uma cidade de uma indústria só, deixando-a incomumente vulnerável aos deslocamentos econômicos causados pela pandemia.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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