Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Putin apostou num Ocidente fragilizado e cometeu erro catastrófico

Ideia de que a moral frouxa destrói grandes potências remonta a séculos

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A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin foi, antes de tudo, um crime —na verdade, os crimes de guerra continuam enquanto você lê isto. Mas também foi um grande erro. Em menos de cinco semanas, Putin destruiu a reputação militar da Rússia, danificou a economia de seu país e reforçou as alianças democráticas que pretendia minar. Como ele pôde cometer um erro tão catastrófico?

Parte da resposta, certamente, é a síndrome do homem-forte: Putin se cercou de pessoas que lhe dizem o que ele quer escutar. Todos os indícios são de que ele entrou nessa debacle acreditando em sua própria propaganda sobre a proeza militar de seu exército e o entusiasmo dos ucranianos para se submeterem ao domínio russo.

Mas também há motivos para se pensar que Putin, como muitos de seus admiradores no Ocidente, acreditasse que as democracias modernas estavam decadentes demais para oferecer uma resistência eficaz.

O presidente russo, Vladimir Putin, em encontro com governadores no começo do mês - Mikhail Klimentyev - 10.mar.2022/Sputnik/Kremlin

E aqui está o negócio: quando olho para os Estados Unidos, me preocupo que o Ocidente esteja, de fato, se tornando mais fraco com a decadência —mas não do tipo que obsessiona Putin e os que pensam como ele. Nossa vulnerabilidade não vem do declínio dos valores familiares tradicionais, mas do declínio dos valores democráticos tradicionais, como a crença no Estado de Direito e a disposição a aceitar os resultados de eleições que não lhe agradam.

É claro que a ideia de que a moral frouxa destrói grandes potências remonta a séculos. Na versão hollywoodiana da história, o Império Romano caiu porque suas elites estavam ocupadas demais com orgias para cuidar da questão de derrotar os bárbaros. Na verdade, o "timing" está totalmente errado nessa história, mas voltarei a isso em um minuto.

Os direitistas de hoje parecem se incomodar menos com a fraqueza da permissividade sexual do que com a fraqueza da igualdade de gêneros: Tucker Carlson advertiu que os militares chineses estavam se tornando "mais masculinos", enquanto os nossos ficavam "mais femininos, seja lá o que feminino significa hoje, já que não existem mais homens e mulheres". O senador Ted Cruz retuitou um vídeo comparando um vídeo de recrutamento do Exército dos EUA com a gravação de um paraquedista russo com a cabeça raspada e declarou que um "militar emasculado, com consciência social", talvez não seja uma boa ideia.

Seria interessante saber o que aconteceu com aquele paraquedista depois que Putin invadiu a Ucrânia. Em todo caso, as fortes baixas sofridas pelos militares anticonsciência da Rússia enquanto falhavam em derrotar as forças ucranianas, vastamente inferiores, confirmaram o que qualquer pessoa que estudou história sabe: as guerras modernas não são vencidas com machismo e bravatas. Coragem e persistência, física e moral, são essenciais como sempre foram; mas também coisas mais mundanas, como logística, manutenção de veículos e sistemas de comunicações que realmente funcionem.

Aliás, não posso deixar de citar que os acontecimentos recentes também confirmaram o truísmo de que muitos, talvez a maioria dos homens que posam como durões... não o são. A resposta de Putin ao fracasso na Ucrânia foi extremamente trumpiana: insistir que sua invasão corre totalmente "de acordo com o planejado", recusando-se a admitir que fez qualquer erro e choramingando sobre a cultura do cancelamento. Estou quase esperando que ele divulgue mapas de batalha cruamente modificados com caneta.

Mas voltemos ao tipo de decadência que realmente importa.

Como eu disse, a versão hollywoodiana do declínio e queda de Roma não resiste à análise. É verdade, os espólios do império possibilitaram que algumas pessoas vivessem em grande luxo, possivelmente incluindo uma orgia ocasional; a contrapartida moderna mais próxima dessa elite seriam... os oligarcas russos. Mas Roma manteve sua integridade territorial e eficiência militar durante séculos após o surgimento daquela elite mimada e libertina.

Então o que deu errado? Os historiadores têm muitas teorias, mas certamente um grande fator foi a erosão de normas que tinham ajudado a estabelecer a legitimidade política, e a disposição cada vez maior de alguns romanos, especialmente depois do ano 180 d.C. a usar violência uns contra os outros.

Obviamente, o que está acontecendo nos Estados Unidos hoje não oferece semelhança detalhada com os problemas do mundo antigo. Mas hoje em dia não se passa um mês sem novas revelações de que uma grande parte do corpo político americano, incluindo certamente membros da elite política, despreza os princípios democráticos e fará o que for preciso para vencer.

É incrível quão rapidamente normalizamos o fato de que o último presidente tentou manter o poder apesar de perder a eleição e que uma turba incitada por ele invadiu o Capitólio. Muitas pessoas participaram da tentativa de derrubar a eleição –entre elas, como soubemos recentemente, a mulher de um juiz da Suprema Corte, que nem sequer se declarou impedido de participar de processos sobre a tentativa de golpe.

Embora o esforço de Donald Trump para se manter no cargo tenha falhado, a maioria do seu partido na verdade apoiou retroativamente essa tentativa.

Por que isso é relevante para a Ucrânia? Putin efetivamente apostou que um Ocidente fragilizado ficaria observando enquanto ele realizasse sua conquista. Em vez disso, o presidente Biden efetivamente mobilizou uma aliança democrática que correu para ajudar a Ucrânia e humilhar o agressor.

Mas na próxima vez em que algo parecido acontecer os Estados Unidos talvez não liderem uma aliança efetiva de democracias, porque nós mesmos teremos abandonado os valores democráticos.

E essa, se você quiser saber, é a verdadeira face da decadência.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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